Analisando a Ação Magazine #01 – O novo ou mais do mesmo?

Como foi a primeira edição da Ação Magazine? Será esse o primeiro passo para os mangakás brasileiros conquistarem seu espaço no mercado nacional?

Quando falamos de mangakás brasileiros os narizes dos otakus “hardcore” se contorcem. Por algum motivo estranho (ou besta) as pessoas tendem a rejeitar aquilo que é feito em nosso mercado, taxando-os simplesmente como “cópia” ou “ruim” de imediato. Já tivemos diversas tentativas de mangás nacionais por aqui, alguns com certo sucesso (Megaman, Combo Rangers e o mais conhecido Holy Avenger) e outros com história e caminhos curtos nas bancas nacionais (Ethora e tantas publicações da editora Escala, por exemplo). Ou até mesmo alguns que nunca sequer chegaram a sair do papel (Hansel & Gretel, alguém ainda lembra desse anúncio da NewPop?).

Fato é que sempre temos alguém insistindo nesse mercado, o que particularmente me deixa muito feliz. É sempre bom ver pessoas realmente querendo ver esse tipo de coisa dando certo. E sinceramente, não importa a motivação da pessoa: pode ser por orgulho próprio, pode ser para ganhar dinheiro ou  pode ser simplesmente apenas por diversão. O que importa é que temos pessoas (profissionais) dispostas a dar a cara a tapa.

Foi assim que surgiu com o slogan “Junte-se ao novo! Seja o novo!” a Ação Magazine, revista de iniciativa de nomes como Alexandre Lancaster do Maximum Cosmo (e que leva seu “nome” na nova editora responsável) e Fabio Sakuda, que já deram sua contribuição para o mercado nacional em outras publicações e projetos. A intenção da revista pode ser resumida em se tornar a “Shonen Jump” brasileira. Ou melhor, se tornar um almanaque de mangás feito por brasileiros para brasileiros. Hoje resolvi deixar para vocês minhas primeiras impressões da primeira edição da revista como um todo, deixando aqui as opiniões e sugestões de um leitor que torce muito pelo sucesso dessa publicação.

O formato

A revista é basicamente impressa no formato americano (cerca de 16x23cm), conta com 160 páginas e com páginas coloridas e capa mole. O valor é o que já esperava, R$9,90, que eu particularmente acho bem acessível se compararmos com outras publicações (como mangás ou até mesmo comics).

As páginas dos mangás são compostas do já conhecido papel jornal utilizado nos mangás daqui e nas páginas coloridas o pisa-brite, comum em revistas em quadrinho mensais no Brasil. Nada de muito surpreendente. Uma dica para a próxima edição é evitarem o que aconteceu com a última página de Madenka e a segunda de Jairo, onde elas acabaram sendo impressas em papel brilhoso e acabou ocasionando em alguns “desfoques”. Nesse caso, por pura estética, já que acaba tirando um pouco do “charme” do mangá.

De resto, nada reclamar. O mangá está bem colado e não é necessário “arregaçá-lo” para ver o conteúdo e ler algumas palavras (coisa que ainda temos que fazer muito com JBC e Panini). A lombada também está boa e será possível deixar nossa coleção bem organizada através dela (embora a tipografia escolhida para colocar a data da publicação seja meio estilizada demais, preferia a mesma que foi usada para a numeração).

Conteúdo

A proposta da Ação Magazine desde o começo foi oferecer conteúdo para o público jovem, e suas matérias são claramente voltadas para o mesmo. Nessa primeira edição, matérias sobre games, celulares, literatura e internet. Particularmente, é o tipo de conteúdo que eu pulei, mas que deve ter seu leitorzinho todo mês. Além disso, são reportagens curtas, não passando de 3 páginas e com muitas imagens, o que não as tornam cansativas ou repetitivas.

Outro ponto interno é o índice da revista, localizado na última página. Gostei da diagramação do mesmo, simplista mas eficiente. O problema será o leitor encontrar o índice nessa primeira edição, já que normalmente estamos acostumados a vê-lo no início das publicações. Mas nada de outro mundo e nada que possa interferir também. Uma dica seria colocá-lo na contra-capa, já que conta com “mini descrições” das histórias. O espaço ficaria melhor ocupado do que aquela ilustração do “universo” no final (que posteriormente acredito ser ocupado por propagandas).

Algo que me incomodou bastante, mas que o Lancaster disse que não se repetirá no segundo volume, é o tamanho do editorial. Entendo que foi a primeira edição e que ele gostaria de descrever ali um pouco do seu “sentimento” e satisfação sobre a revista, mas particularmente achei desnecessário (e cansativo). Não vou falar de tipografia e cores porque sou chato quanto a isso, mal de designer. Apenas espero que esse espaço possa realmente ser melhor utilizado (quem sabe dividido com uma área dos leitores ou para votação das melhores histórias?)

Quanto as histórias (que terão descrição mais detalhada a frente), nada a reclamar. Nessa edição cada história teve cerca de 45 páginas e como já era esperado o destaque (Madenka) foi a primeira a marcar presença com belas páginas coloridas. Aliás, um bom trabalho de impressão (tirando as já descritas páginas borradas) onde as cores ficaram bem nítidas e sem manchas pelas superfícies como vemos por aí. Ponto positivo. Claro que o que todos querem saber é sobre o que todos querem saber. Redundante, eu sei. Vamos enfim à análise das 3 histórias da edição: Madenka, Jairo e Tunado. Vale salientar que optei por imagens de baixa qualidade das séries. Caso vejam scans dessa revista por aí, entrem em contato imediatamente com os organizadores e o mais importante: NÃO APOIEM.

Madenka #01 – Herói, eu?!

Para mim, a melhor série da revista até agora. Desenhada e escrita por Will Walbr e com páginas coloridas por Alyne Leonel, Madenka conseguiu apresentar conteúdo de uma verdadeira revista “shounen”. A história gira em torno de um garoto que leva nome a série, Madenka. Como qualquer menino, Madenka quer mais é saber de se divertir e aproveitar a vida com seus amigos. Porém, ao mesmo tempo ele divide sua vida em um serviço junto de seu mestre, um velho-javali-humano Batala, que tenta administrar e treinar o garoto, portador de um grande poder, força e potencial para se tornar um herói pelo mundo. Acontece que Madenka não está disposto a largar sua vida e seus amigos em troca dessa responsabilidade, e seu mestre (e até mesmo sua mãe) vive pegando em seu pé sobre isso.

Um dia, uma garota-raposa-humana chamada Siena chega à vila a procura do velho Batala. Aparentemente seus olhos haviam sido roubados por uma criatura que habitava aquele lugar, um Saci Sem Face chamado Afranio-Afranio. O velho então apresenta a garota à Madenka e pede para que ele a ajuda encontrar o ladrão. Mas eu paro por aqui. Se querem saber o resto da história terão que ler para não estragar a surpresa.

Aparentemente, nada demais na história. Um garoto que tem um grande poder escondido e é treinado por um mestre poderoso é uma fórmula bem comum nos mangás do gênero, como Dragon Ball, Naruto e outros. O grande charme de Madenka está em seu potencial. Em primeiro lugar, já podemos perceber que o mundo da série pode ser enorme, com uma grande possibilidade de ser explorado como acontece em séries como One Piece. A narrativa se bem conduzida pode ser levada para diversos caminhos sem perder originalidade e sem cansar o leitor do background oferecido. Vale destacar também os personagens: Madenka é aquele garoto invocado, chato e birrento, mas que possui um grande coração, típico dos protagonistas do gênero. O mesmo de encaixa para seu mestre e para a raposa. Os personagens coadjuvantes também são agradáveis e não passam a sensação de “estar ali por estar”. A série consegue ser bem conduzida no geral, sem se perder e mesmo assim abrindo espaço para muita história que há de se desenvolver.

Outro grande trunfo da série: utilizar elementos brasileiros. Quando vi o nome “saci” ser pronunciado, logo achei que veria mais a frente o ser com uma perna só e o cachimbo na boca saltando. E não foi assim. Embora a nossa literatura e folclore sejam extensos, existe uma certa resistência dos leitores à esses seres em nossas histórias, diferente dos japoneses que adoram mangás com temáticas envolvendo seus Ayakashis e Youkais. Em Madenka, esses seres folclóricos foram colocados no mangá de uma forma “diferente”, com uma nova “roupagem” e que realmente pode funcionar em atrair o leitor. Acho uma iniciativa super válida, assim como os nomes dos personagens que são todos “imaginários” mas originais e “abrasileirados”, bem como seu vocabulário bem brasileiro e que consegue passar a sensação de um vilarejo “do interior”. Gostei da idéia e espero que possa ser bem recebida pelos leitores (que precisam parar com essa resistência à nossa cultura tão rica).

No geral, não achei Madenka “plágio” como foi dito por aí. Ele se inspira em shounens de sucesso sim. Possui seus elementos de Akira Toriyama (principalmente em suas paisagens e características dos personagens), sua pitada de Tezuka e um recheio de Go Nagai (dá pra sentir um pouco disso na presença do vilão). Influências são sempre válidas e o autor soube a usar a seu favor, inclusive nos traços (que realmente é profissional e passa longe de semelhança doujins ou fanzines que vemos “à rodo”) e nos enquadramentos de cenas. Existem riscos, como cair em clichês mal organizados, mas para um primeiro capítulo, Madenka não fez feio e pode se desenvolver muito bem. Eu aposto minhas fichas como a principal série da Ação até o momento.

Jairo #01

Em primeiro lugar, queria dar uma dica para os autores de Jairo e Tunado. Assim como em Madenka (que eu não sei se foi proposital), um título para o capítulo seria bem interessante, mesmo que tenham sido apenas o primeiro de ambos. É sempre bom para nos localizarmos.

Agora vamos falar um pouco de Jairo, a série que eu mais me empolguei com o traço até aqui. Com roteiros de Michele Lys e Renato Csar, e desenhos de Altair Messias, o mangá conta a história de Jairo, um garoto que descobre no esporte uma forma de “recomeçar” após um ocorrido em sua vida. O escolhido é o boxe, esporte em que o rapaz aprende a controlar sua força e a usar suas habilidades dentro das leis do esporte. Mas para isso, Jairo terá que superar alguns problemas. Entre eles está o fato de morar com seus tios e seu primo Fábio e enfrentar o problema de ser um estorvo para sua “família”. De qualquer maneira, Jairo passa a treinar em uma acadêmia de boxe ao lado de seu amigo Vitor e tudo parecia muito bem até aparecer uma pessoa: Ivan, seu desafeto pessoal e com quem ele não guarda um passado próximo muito amistoso. Agora a disputa dos dois passa a ser muito mais do que uma briga de colégio e Jairo terá que controlar seus instintos para conseguir rumar às Olimpíadas do Rio de Janeiro de 2016.

Em primeiro lugar, quem falar que Jairo é uma cópia de Hajime no Ippo deveria levar uma surra de cinta. Nem de Hajime e muito menos de Ashita no Joe, o percursor do gênero boxe. Jairo usa sim elementos desse tipo de mangá, mas passa longe de ser uma cópia. Talvez o boxe não seja um dos mangás que mais atraiam leitores brasileiros, isso é certeza, mas também é fato que é um esporte que contará com muita ação, brigas, sangue e pelo plot inicial, muito drama de vida também. E isso é apelo ao público. A história de Jairo conseguiu se destacar nesse primeiro capítulo e assim como Madenka abriu brechas para muitas possibilidades futuras, o que permite não deixar o mangá cair no marasmo e cansar o leitor. Logo no primeiro capítulo já são mostrados vários conflitos que existirão no decorrer da história, o que é um ponto positivo e faz do capítulo uma boa apresentação.

O traço de Altair Messias é um show a parte. Apesar de alguns estranharem no começo e o mangá aparentar “inconstância” no traço, posso garantir que um dos grandes atrativos da série são os desenhos dele, que me parecem conter uma certa influência de Mitsuru Adachi. No meu caso, inclusive, foi justamente esses desenhos que me empolgaram depois de dar uma visitada no blog da série. SHOW! Vamos esperar agora como o roteiro se desenvolve. Ao usar as olimpíadas como plano de fundo (o que eu achei uma ótima sacada), fica a dúvida se o mangá realmente visa uma durabilidade “real” ou se passará em um tempo fictício. A primeira opção é arriscada e pode cair no erro da repetição do roteiro e no esgotamento do leitor pela série. Apesar de tudo, acredito no potencial da série e tem tudo para se despontar como a série de esportes número 1 da revista se comparada com Tunado.

Ah sim! E uma curiosidade: O nome do antagonista, Ivan, provavelmente foi inspirado no Ivan Drago do filme Rocky IV. Quem não viu ainda não sabem o que estão perdendo.

Tunado #01

Confesso que esse mangá pouco me atraiu quando foi anunciado e continuou sem me atrair mesmo depois de ler o primeiro capítulo. Feito na parceria de Maurílio DNA e Victor Strang, Tunado é mais um mangá de esportes na revista, mas dessa vez centrado no tema carros. A história tem como protagonista Daniel, sobrinho de um famoso corredor nipo-brasileiro da década de 70 chamado Sato Kawasaki, que sofreu um acidente e foi obrigado a abandonar as pistas por conta da invalidez. Um dia Daniel recebe de presente de seu tio o Chevette que ele usava em seus tempos de glória, e o garoto decide começar sua empreitada em busca de se tornar o piloto número 1 das corridas de todos os tempos. Ele vai em busca de um especialista na arte de “tunar” os veículos, Renato, dono de uma auto-peças e que tem um gosto afiado para apostas. Porém logo na primeira visita à loja, Daniel recebe seu primeiro desafio do arrogante Maurício, que possui um rápido e equipado Celta, o mais temido do local. Surge então a primeira disputa e o nosso personagem principal tem a chance de mostrar a todos para que veio e como pretende tornar seu sonho uma realidade.

Assim como as outras séries comentadas, Tunado também bebe de outras fontes. Mas dessa vez, uma em específico: Initial D. E dessa vez a inspiração é MUITO nítida em vários aspectos. Diferente de Jairo, que em nenhum momento me fez pensar em Hajime no Ippo, Tunado a todo momento me fez lembrar de Initial D. Tanto no fato do protagonista ser relativo à uma lenda das pistas, como o carro dele nunca ter sido visto pelas redondezas em sua primeira corrida, como a manobra que ele utiliza logo na primeira vitória. Claro que tudo é inspiração, ninguém aqui está dizendo que o autor simplesmente jogou Initial D no papel e transformou uma história com novos personagens. Além disso, o final do capítulo pode ter sido um bom sinal para um rumo diferente da história. Sinceramente, espero.

De qualquer maneira, não vou mentir e dizer que gostei de Tunado. Achei o traço o mais fraco dos 3 em questão. Por alguns momentos lendo tenho a impressão de estar passando por um fanzine com traços inconstantes. É uma sensação diferente de Jairo, que tem um traço diferenciado. Tunado parece tudo comum demais, tanto nos personagens, nos detalhes e nos cenários. Se há um grande forte nos desenhos com certeza são os carros e equipamentos, muito bem desenhados e representados, mostrando que o autor realmente entende do assunto (diferente do que havia aparentado no capítulo 0 da revista). A história passa rápido (pra ser sincero, rápido demais) e para quem gosta desse tema como eu, pode ser que se identifique com o título mesmo não tendo sido do meu agrado. Os personagens são outro ponto fraco da história: não vejo o mesmo “carisma” que encontramos nas outras séries. Espero sinceramente que os próximos capítulos melhorem pois com certeza esse foi a estréia mais “fraca” dentre os títulos apresentados. Que me surpreendam e tirem essa imagem de Initial D que a série me causou.

Considerações Finais

Saio com um saldo final positivo dessa primeira edição. Acho que a Ação tem SIM potencial para seguir em frente e ser reconhecida por isso. Claro que temos a certeza de que o Lancaster e os outros envolvidos devem estar se preocupando em sempre melhorar a revista em todos os aspectos, tanto em patrocínio, como em conteúdo, como nas histórias e na opinião do público. Falando nessa opinião, espero ver nas próximas edições como será levada em conta essa questão. Já foi dito no próprio site da revista que as histórias terão continuidade ou não de acordo com a receptividade do público, e estou curioso para saber como será feita tal “pesquisa”.

Outro ponto importante: acho que a Ação deve focar em seu público. Posso estar em enganado, mas por alguns instantes ela ainda parece buscar sua “identidade” através das suas histórias. Mas isso é totalmente normal (além de poder estar sendo algo da minha cabeça). Por isso é importante esse contato de nós leitores com os autores. Não apenas para criticar, mas para sugerir novos temas, novos rumos. Precisamos juntos direcionar a revista para nós consumidores, e para isso acontecer eles necessitam desse feedback! Não há como fazer algo de sucesso sem ouvir o público e sem trazer aquilo que agrada.

Por esse motivo posso afirmar: comprem a primeira edição, tenha sua própria opinião. Não gostou de algo? Não jogue simplesmente a revista de lado. Vamos mostrar que podemos sim ter uma série de qualidade, desenhada e escrita pelos nossos artistas e que podem facilmente “concorrer” em um mercado já ocupado por americanos e japoneses e tantos outros que existem aqui. Vamos valorizar o trabalho nacional e aprendermos a sermos críticos, não apenas criticadores.

Para mais informações, visite o site da Ação Magazine: www.acaomagazine.com.br

Para os interessados em adquirir a revista e que não sejam de São Paulo, ela já se encontra a venda nas lojas virtuais da Comix e Anime Pró, respectivamente AQUI e AQUI.

Para saber outra opinião (que mistura o bom humor de sempre da Mara com uma postagem séria) sobre a Ação Magazine, visite o Mais de Oito Mil clicando AQUI.

por Dih

Dih

Criador do Chuva de Nanquim. Paulista, 31 anos, editor de mangás e comics no Brasil e fora dele também. Designer gráfico e apaixonado por futebol e NBA.