Review – Pluto, o Astro Boy de Naoki Urasawa

Nada melhor para homenagear o mestre com a obra de outro mestre.

Confesso que estou nervoso ao escrever esse texto. Confesso que é uma missão quase impossível conseguir escrever algo da importância que Osamu Tezuka merece. Mais impossível ainda é conseguir escrever algo quando um dos maiores mestres dos mangás atuais se junta a isso: Naoki Urasawa. Dois autores, com diferentes importâncias para a história do mangá, mas com uma qualidade que não é discutida em lugar nenhum do mundo.

Em um outro dia eu dizia no Twitter que Osamu Tezuka era um ator overrated. Que muitos diziam muito dele sem conhecer quase nada que não fossem os títulos de suas obras. Mas algumas pessoas confundiram isso e pensaram que eu estava duvidando da qualidade do autor, o que não é verdade. Tezuka teve uma importância sem tamanho para a história dos mangás e dos animes: sem ele nada disso que temos hoje existiria. Nada de Naruto, One Piece ou qualquer outra obra que vocês conhecem. Sem Tezuka não teríamos Urasawa. Sem Urasawa eu não teria me apaixonado por Pluto.

Acho que esse mangá foi um dos mais títulos que mais senti prazer em escrever e comentar sobre. É um verdadeiro reflexo de emoções a cada página virada e a cada momento, a cada cena. E ao mesmo tempo que eu lia Urasawa eu podia ler Tezuka ali também. É como se, de fato, fossem ambos os autores escrevendo juntos o mesmo mangá. Como se Tezuka conseguisse através da técnica e da seriedade de Urasawa, transmitir todos os sentimentos que suas obras transbordam. E o resultado é magnífico.

Conheça Pluto, o mangá que nunca mais vai me fazer enxergar Astro Boy da mesma forma.

A história

No futuro, a sociedade vive lado a lado com robôs que praticamente dividem a população com os humanos e que fazem as mesmas tarefas que eles. Alguns são meros empregados, outros conseguem até mesmo simular a identidade humana e viver como eles, criando família e até mesmo os mesmos costumes. Alguns são policiais, outros aproveitam-se de seu passado vencedor e outros simplesmente tentam simplesmente ter uma vida normal. Mas entre esses robôs, 7 são especiais e construídos pelos mais inteligentes e visionários cientistas do mundo. Sete modelos que foram capazes de chegar a tal “perfeição” que mal conseguem ser identificados como robôs ou como humanos e que cumpriram uma história importante para seus países no passado. Seus nomes são Montblanc, Norse #2, Brando, Heracles, Epsilon, Gesicht e Atom.

Um dia um estranho acontecimento toma conta da vida da sociedade da Terra. Montblanc, um dos sete robôs é assassinado. E não para por aí: cientistas envolvidos na construção dos robôs também começam a ser caçados por uma criatura misteriosa e mais robôs começam a perder sua vida e sua liberdade, todos morrendo com uma misteriosa forma de chifres como um “sinal” de seu assassino. Gesicht – um dos robôs mais famosos do mundo trabalhando para a polícia e sendo responsável por resolver diversos casos – decide investigar mais a fundo o que começa a acontecer com seus amigos enquanto estranhos sonhos o perseguem.

Nesse caminho ele começa a entrar em um mundo perigoso e descobrir que sua vida e de todos os outros correm perigo. Ele precisa da ajuda de todos, inclusive de Atom, um pequeno robô japonês conhecido pela sua avançada tecnologia. Os sobreviventes terão que correr contra o tempo para encontrar o assassino, que tudo indica girar em torno de um nome: Pluto. Quem é Pluto? Qual seu objetivo? Por que ele está caçando todos os envolvidos na antiga guerra dos Estados Unidos da Pérsia? Muitas perdas, muitas lágrimas e muita emoção promete tomar você em cada página e em cada quadro naquela que é considerada por muitos a obra máxima de Naoki Urasawa: Pluto.

Considerações Técnicas

Alguns de vocês não devem ter entendido por que eu escolhi Pluto para ser comentado, uma vez que o mangá não é de autoria de Osamu Tezuka. Na verdade Naoki Urasawa se aproveitou de um dos arcos da mais famosa obra do mestre, Astro Boy, e adaptou para um mangá próprio. Publicado na revista Big Comic, Pluto conta com 8 volumes encadernados, totalizando 65 capítulos publicados entre 2003 e 2009. O mangá foi mais um dos grandes sucessos de Urasawa, bem como seus antecessores Monster e 20th Century Boys (que serão lançados no Brasil em 2012) e ainda contou com um enorme poder de “marketing” ao contar com um gigantesco e chamativo “Naoki Urasawa x Osamu Tezuka” em suas publicações.

O mangá de Pluto não é uma colaboração entre os autores, sendo mais um remake do arco de 180 páginas de “O robô mais poderoso do mundo” publicado no mangá de Astro Boy nos anos de 1964 e 1965. As principais diferenças entre as obras são as formas como os personagens principais são tratados em ambas as histórias. Eles estão presentes nas duas mas isso não as torna iguais e talvez até com ideais e objetivos diferentes. Porém isso não impede de nos remeter diretamente a Astro Boy, bem como não impede Pluto de ser uma obra única.

Pluto é Urasawa tanto quanto é Tezuka. Como disse antes, é como se você conseguisse ler ambos os autores em um só mangá. E não é como o caso de Obata e Ohba em que um desenha e outro escreve. Em Pluto conseguimos identificar ambos os autores, mesmo que Tezuka nada tenha feito diretamente na obra. Porém toda a presença e as mensagens que Tezuka sempre quis passar estão lá: sentimentos e personagens que possuem conflitos internos ou não sobre seu lugar em uma sociedade.

Urasawa se aproveitou de toda ambientação da história original para criar um clima de tensão, de mistério, de conflitos psicológicos e principalmente de emoções. Emoções essas que são impostas a todo instante na leitura para o espectador. Eu por exemplo, não vou deixar de dizer que me emocionei em diversas passagens do mangá. É como se eu sentisse a dor dos personagens, como se o autor mexesse comigo como ele conseguiu mexer em Monster e 20th Century Boys.

Os grandes destaques de Pluto estão em suas formas narrativas, sempre densas e carregadas de emoções que abalam a estrutura e até mesmo os pensamentos daqueles que as lê. Isso sem falar na constante homenagem de Urasawa a Tezuka resgatando elementos que permitem facilmente remeter aos personagens originais do autor, e não só pelos seus nomes, como em suas características e até mesmo no character design. Como eu disse no começo do post, Pluto me fez perceber que nunca mais verei Astro Boy com os mesmos olhos. E é a pura verdade.

O mangá é totalmente situado no futuro, bem como sua obra original, mas não lhe causa essa impressão. Você parece estar lendo um mangá situado no seu dia-a-dia, o que lhe causa a sensação de familiaridade dos robôs, de fato. E é esse um dos grandes pontos do enredo do mangá, que mostra não só o conflito de robô x robô, mas também a tentativa de inserir os mesmos na sociedade, com direito a tecnologias cada vez mais avançadas em busca da “perfeição”. Perfeição essa que também nos leva ao nosso principal “vilão” da história. Mas é necessário cuidado ao se falar de vilão, ao mesmo tempo que também é necessário o cuidado para falar de protagonista. Para mim, Pluto não tem um vilão, bem como não tem um personagem principal. Ele tem ideais que se confrontam e que acabam fazendo o leitor se indagar se realmente tal “pessoa” é o que parece ser.

É importante dizer que Urasawa coloca em cheque durante todo instante os sentimentos que a sociedade acaba “repudiando”: ódio, tristeza, raiva. Ué, mas isso não vai totalmente contra as mensagens que Tezuka sempre tentou passar? Sim, e não. Tudo está ali, implícito para o leitor. Os personagens a todo instantes demonstram sentimentos por outras pessoas e você mesmo não sabe mais o que são robôs ou o que são humanos. Da mesma forma que dentro da história existe essa dúvida em alguns momentos, você também sente.

E não estou falando só dos 7 robôs perfeitos, mas bem como de todos os que aparecem no decorrer do mangá. A esposa de Gesicth é uma das imagens mais claras disso em certo momento da história em que ela começa a se debulhar em lágrimas (e que quase me fez chorar também). Já entre os 7, se tivesse que escolher um dos representantes dos sentimentos, esse seria Epsilon, aquele que desde o começo se recusou a lutar. Epsilon cria um vínculo humano que nenhum dos outros robôs criou e não apenas pelo fato de ter família ou não. O simples fato de ele ter se recusado a participar da guerra, mas ao mesmo tempo ter que fazê-lo de maneira indireta, o torna o mais humano possível. Ele pensa no próximo, mas existem momentos em que você simplesmente não pode ignorar sua situação.

E Pluto nada mais é que isso: a mensagem que não importa quem você seja, você sempre terá um lado humano. Um lado humano que será regado a ódio, a momentos de tristeza e de angústia, mas que sempre de alguma forma, vai fazer você se lembrar do próximo. Na verdade, Urasawa tenta mostrar que no fundo, todo o ódio retratado no mangá na verdade é amor, é carinho, é esperança. Uma das frases mais marcantes do mangá, e recitada por Gesicth é “Nada nascerá do ódio”. Isso retrata bem o que é Pluto.

Comentários Gerais

Como eu falei antes, foi uma opção minha escolher uma obra que não fosse de Tezuka propositalmente. Particularmente, não me acho apto a homenagear um autor, principalmente nunca tendo sido capaz de conhecer a fundo seus trabalhos para analisá-lo. Mas nada melhor do que um dos mais consagrados mangakas da atualidade para desempenhar esse papel da melhor maneira possível: fazendo mangá.

Aliás, ao ler Pluto você percebe o que realmente Tezuka representa para o universo dos mangás. É uma grande teia, que por onde quer que você olhe, sempre acabe percebendo que uma das pontas acaba em Tezuka. Pluto particularmente me lembra muito uma obra de um outro autor que admiro muito, Shotaro Ishinomori. Se você já leu, assistiu ou ouviu falar de Cyborg 009 vai perceber muitas semelhanças entre ele e Pluto, o que acaba claramente evidenciado em uma inspiração em Astro Boy, criado 12 anos antes dos 9 guerreiros robôs.

Mais do que ler Pluto e sua fantástica história, você deve perceber o quanto Urasawa se preocupou em manter a essência de Tezuka ali de alguma forma. Seja na forma como a história é conduzida, nos traços (como nas imagens abaixo, retiradas do site francês du9 em uma postagem sobre a obra), e principalmente no sentimentalismo em que o mangá tenta transmitir. Pluto é uma explosão de sentimentos a cada página virada, é uma gota de verdadeira “mágica” ao ser lido.

Não estou aqui tentando dizer quem é melhor, e longe de mim fazê-lo. Não somos ninguém para julgar Tezuka ou julgar Urasawa, só meros leitores que possuem sua preferência mas ainda não deram (e talvez nunca darão) a mesma contribuição que ambos deram para a história não só dos mangás, como dos quadrinhos em geral.

Osamu Tezuka forneceu as ferramentas. Naoki Urasawa, bem como tantos outros mangakás hoje em dia, as usam e as fazem virar sucesso. Alguns melhores que os outros, outros sem tanto brilho. Pluto é mais uma dessas obras que merecem serem lidas e usadas como lição para o resto da vida. Pluto pode ser uma porta de entrada para Tezuka, bem como a réplica também é verdadeira. A recomendação não preciso deixar mais explícita não é? Para os interessados, o mangá pode ser comprado no Book Depository CLICANDO AQUI, uma vez que o título foi lançado nos Estados Unidos pela americana VIZ. Ainda não há previsão do mangá por aqui, mas quem sabe agora com essa retomada do autor pela Panini sonhar não seja tão ruim assim?

Para aqueles que quiserem saber um pouco mais dessa relação entre Pluto e Astro Boy, leia um pouco no post do Panina Manina no Subete Animes, onde ele entra mais a fundo nesse tema em específico, traçando um paralelo entre as duas obras.

No dia do mestre, nada melhor que outro mestre para homenageá-lo. Obrigado Tezuka. Obrigado Urasawa.

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por Dih

Dih

Criador do Chuva de Nanquim. Paulista, 31 anos, editor de mangás e comics no Brasil e fora dele também. Designer gráfico e apaixonado por futebol e NBA.