Review – Nazo no Kanojo X: um conto sobre o primeiro amor

A esquisitice hipster nipônica em forma de comédia romântica babada com fetiche estranho de puberdade conturbada do jovem japonês?

Que anime estranho. Esse é o primeiro pensamento que a maioria tem quando se depara com a história de Nazo no Kanojo X. E não é para menos, temos aqui neste anime uma história imaginativa e com uma premissa metafórica que apresenta, assim, o primeiro amor concretizado de uma casal de adolescentes estudantes colegiais. O romance seinen/shounen é bem comum na produção nipônica (que foi trabalhado até mesmo com fantasmas e zumbis em outros animes  exibidos na mesma temporada) mas que ganha destaque em Nazo no Kanojo X por ser uma esquisitice mais palpável e que monta sua história a partir de alguns fetiches humanos, gerando assim   nojinho do “anime da babinha”.

Claro (??) que você se pergunta o que o autor de tal obra objetiva utilizando essa abordagem inusitada (sim, estou tentando escolher bem as palavras) para tratar de um tema tão recorrente como o primeiro amor, mas aí que está o interessante em Nazo no Kanojo X. Por mais que o anime tenha um plot excêntrico, a história de Riichi Ueshiba visa representar o primeiro amor de forma bem-intencionada a partir de uma ideia que causa repulsa sobre um primeiro olhar de um público. Para isso o autor se utiliza de um ar imaginativo com uma protagonista definitivamente estranha e fora do comum, mas que possui todo um clima de metáfora.

Isso é uma razão para pegar Nazo no Kanojo X para assistir? Não tenho cara para recomendar esse anime para qualquer um, simplesmente por que de início é mais fácil para o público comum menosprezar a proposta apresentada do que se deixar levar pelo romance leve que, apesar dos pesares e acredite se quiser, aborda o primeiro amor de uma forma crível em alguns pontos, principalmente quando se faz uma leitura do mangá. Apesar dos pesares e acredite se quiser? Não estou exagerando, vamos para a história.

A história

Akira Tsubaki é o típico garoto do ensino médio em suas inseguranças e retrações em relação ao amor. Apesar de já ter se apaixonado durante o ginásio, este amor nunca fora concretizado e o jovem sempre se perguntou como seria a sua primeira namorada. Então Mikoto Urabe transfere-se para a mesma classe de Akira e, assim, entra em sua vida. A garota é muito bonita, extremamente calada, que sempre está com os cabelos escondendo seu rosto, dorme durante todo o horário de almoço e não se interessa em fazer amizades. Por Mikoto sentar-se ao lado de Akira, ele normalmente a observa e nota que ela é cheia de estranhezas. Ele não imaginava o quanto.

Após o fim das aulas, Akira encontra Mikoto dormindo na sala de aula e resolve acordá-la e ao olhar nos olhos da garota pela primeira vez, ele nota o quando ela é bonita. Temos até aqui o boy meets girl comum de um romance, mas Akira não só nota que Mikoto babou enquanto dormia e que havia baba da jovem na carteira, ele prova desta baba e acha seu sabor extremamente doce. Estranho, nojento, repulsivo. Akira pensa exatamente isso após o ato incomum que ele praticou.

E naquele mesmo dia, durante a noite, o jovem adolescente tem um sonho fantasioso e vívido em que ele corre e dança em uma cidade estranha com a misteriosa Mikoto. Ao acordar do sonho, Akira está febril e fica nesse estado de doença por dias, sem que a febre passe. Isso até que Mikoto visite Akira e explique exatamente a situação em que ele se encontra: a jovem informa que ele está sofrendo de abstinência da baba dela, e para que ele não fique doente, ele deve provar desta baba todos os dias. Akira estava doente (de amor) e necessitado da doce baba da garota para permanecer com boa saúde (mental e emocional).

Akira se declara para Mikoto, iniciando assim o primeiro relacionamento amoroso dos dois jovens, que é mantido em segredo dos colegas de sala e com o passar dos dias, aquela troca de babas se torna um ritual para o casal. Com a convivência com a sua namorada, Akira descobre que a garota é bem mais peculiar do que ele imaginava (além de ter a baba doce, a garota ainda é uma habilidosa manipuladora da tesouras que carrega em sua calcinha) e descobre que a baba é uma forma de laço entre os dois, em que podem transmitir suas emoções e estados de espírito de um para outro, uma sensibilidade que só ocorre entre pessoas que possuem um laço amoroso ou de amizade. Nesse ponto amizade e confidências temos o relacionamento entre Mikoto e Ayuku Oka, que namora o melhor amigo de Tsubaki, Kouhei Ueno. No decorrer da história também é desenvolvido o romance entre este outro casal, utilizando uma abordagem mais comum, mas que não contrasta tanto em relação ao envolvimento de Akira e Mikoto, o garoto comum e sua namorada misteriosa. O sentimento é o mesmo, mas o contexto difere.

Considerações técnicas

Nazo no Kanojo X (Namorada Misteriosa X) é baseado no mangá de demografia seinen de Riichi Ueshiba. O mangá é serializado pela Afternoon desde 2004, contando até aqui com 8 volumes, sendo que a adaptação para anime em seus 13 episódios cobriu até o quinto volume, cortando algumas pequenas histórias do presentes do mangá até esse ponto. O anime ficou sobre a responsabilidade do estúdio Hoods Entertaiment, que produziu diversos ecchis como Aki Sora e Seikon no Qwaser. O anime tem a direção do Ayumu Watanabe, experiente na série Doraemon e que em abril de 2012 obteve um bom trabalho de direção em Nazo no Kanojo X e está trabalhando de forma excelente no delicioso Uchuu Kyoudai.

Bem, já mostrei no parágrafo acima a minha opinião geral sobre a direção e o roteiro. Nazo no Kanojo X é um anime bem executado e tem como um ponto forte a boa adaptação que foi feita do mangá. O ritmo é de romance lento, em que os protagonistas vão se envolvendo paulatinamente e vivenciando novas experiências no amor sobre a influência da troca de babas. O Watanabe conseguiu transmitir ao anime o clima proposto pelo mangá com naturalidade, até chegar um ponto em que o anime extrapola o mangá e são até utilizados alguns recursos de cores para que a babinha da Urabe parecesse mais nojenta. Recurso visivelmente utilizado para que a sensação de nojo daquilo não se perdesse, que o espectador não se acostumasse com aquele “ritual” do casal. O objetivo do anime é realmente esse, de passar essa imagem de estranho, e como a leitura do mangá esse acaba não sendo o principal objetivo com o decorrer dos capítulos.

O mangá objetiva falar de amor, da estranheza ao primeiro amor e como isso afeta os dois jovens apaixonados; para isso se utiliza da baba. O problema que eu vi no anime foi o mesmo que o Panino afirmou no Subete: o anime trabalha mais com os sentimentos do Akira e àquele mundo de estranheza. A abordagem se faz diferente, pois desumaniza um pouco a Urabe. A primeira interpretação que você tem dela é que toda sua estranheza objetiva simbolizar como as garotas são misteriosas e como os garotos não as entendem. Mas com o desenvolvimento do relacionamento e quando Akira começa a conhecer melhor a namorada, ela se mostra uma garota mais palpável, ciumenta, um pouco insegura, que se irrita, que tem desejos para com o namorado, que se envergonha e que está apaixonada. O anime não passa isso para o espectador com tanta intensidade como no mangá, o objetivo de montar a personagem como estranha ao público se destaca e destoa do original. Bem, recomendo que leiam o post do Panino, está bem completo em relação a isso.

Vamos passar para a animação: o Hoods trabalhou bem esse anime. As sequências de animações são simples, mas tanto os cenários envolvendo pôr-do-sol, a praia, a cidade dos sonhos do Tsubaki, entre outros; foram lindamente animados. O character design por Kenishi Konishi tem um estilo antigo, mas é bem requintado e de fácil agrado. Parece aquela animação antiga, que passa um ar de lembrança. Isso é bem interessante porque é como se fosse uma volta ao passado, como um conto antigo da adolescência que faz lembrar que alguns anos atrás você (caso adulto, lembro aqui que se trata de um seinen) também não entendia o amor e o relacionamento amoroso. Algumas cenas ficaram bem legais, como as cenas em que a Urabe manipula a tesoura, todo aquele efeito de ventania para que a jovem alcançasse a tesoura na sua calcinha e atacar o namorado que “avançou demais”. Dentro dos limites da história, um romance lento e sem beijo.

Uma coisa que chamou a atenção foi a estreia da seiyuu Ayako Yoshitani (que também canta a abertura e o encerramento) interpretando  a Mikoto Urabe. A voz dela destoa do comum dos casts japoneses, passando um ar mais exótico para a Urabe (que nem precisa de muita ajuda para isso). A música da abertura, Koi no Ochestra pela Ayako Yoshitani e composta por Tomoki Hasegawa(Nana, Sayonara Zetsubou Sensei), é uma baladinha romântica no mínimo deliciosa em que a letra e melodia se encaixam perfeitamente com a temática do anime.

Na abertura são utilizadas todo uma simbologia usando limões e mel intercalando com cenas românticas do casal. Uma combinação de uma fruta azeda e um alimento açucarado que reflete de uma forma interessante o que é o amor: a primeira vez que você prova do limão o sabor é desgostoso, mas com o tempo você se acostuma e a primeira vez que você prova o mel é maravilhoso, mas com o tempo você enjoa. Como se o amor verdadeiro fosse uma mistura dos dois, o mel que tira o chocante primeiro contato do paladar com o limão e o limão retirando o excesso de doçura do mel, que com o tempo desgasta o paladar. Uma mistura de doce e azedo, de bons e maus momentos, tudo equilibrado para se construir o relacionamento. Essa é a minha concepção, o que eu absorvi, ainda estou interessada em outras visões. 😀

Comentários finais

Nazo no Kanojo X é um anime que passa uma mensagem bonitinha a partir de uma premissa bizarra, utilizando da baba, tesouras na calcinha e de acontecimentos malucos que às vezes terminam em nudez (tudo bem nas sombras, claro). Mas é o tipo de anime que não consigo comparar com um ecchi comum, exatamente pelo objetivo dele de contar uma história sobre o amor: o amor contado nas poesias, o amor dos romances literários, o amor mais crível. Akira não estava apaixonado por uma zumbi, por um fantasma, por um robô; ele estava apaixonado por uma garota que ele não entende (quem nunca?) e tenta entendê-la, tenta conhecê-la. Sendo que isso é apresentado de forma extrapolada em Nazo no Kanojo X, me agradou e pode vir a agradar a outros mais tolerantes ou com uma mente mais aberta para esse tipo de abordagem um tanto que incômoda.

Claro que isso não anula a quantidade de bizarrices e fetiches que se vê nesse anime, mas ao assistir eu vi um sentido em quase tudo desse conteúdo maluco. Como eu disse no início desse post, é o tipo de anime que no primeiro olhar só de vê as estranhezas, mas que tem um ritmo bem gostoso e você acaba por entender algumas das mensagens são passadas e até se identificar com alguns acontecimentos. A importância do primeiro beijo, indecisões sobre o sentimento, desejo sexual pelo parceiro, uma primeira viagem, o desejo de conhecer mais e mais a pessoa, de ter ela sempre com você. Tudo isso com uma velocidade lenta típica dos romances japoneses, possuidores de uma cultura que trata o beijo como um ato muito íntimo de um casal.

Independente da abordagem, o amor é algo universal. Como disse Carlos Drummond de Andrade nesse trecho de seu poema “As sem-razões do amor”, que eu interpreto como uma explanação de como o amor surge, de como ele se estabelece e de como ele muda as pessoas.

“Amor é dado de graça,
é semeado no vento,
na cachoeira, no eclipse.
Amor foge a dicionários
e a regulamentos vários. [..]
Porque amor não se troca,
não se conjuga nem se ama.
Porque amor é amor a nada,
feliz e forte em si mesmo. […]”

Ou na música dos “Here, there and everywhere” por The Beatles, que transmite toda uma vontade dos amantes de estarem juntos.

Aqui, fazendo cada dia do ano.
Mudando minha vida com o aceno de sua mão,
Ninguém pode negar que existe alguma coisa lá.
Lá, passando minhas mãos pelos cabelos dela,
Nós dois pensando o quão bom isso pode ser. […]
Em qualquer lugar, sabendo que o amor é para compartilhar,
Cada um acreditando que o amor nunca morre,
Observando seus olhos e esperando que eu esteja sempre lá.

Podemos falar de amor através das belas frases de um grande poeta brasileiro, por uma balada de uma banda britânica ou através de um anime com uma proposta bizarra, desde que não o banalize ou o desvalorize considero extremamente válido.

(Eu posso ter tentado aprofundar muito em algo que muitos consideram banal,  mas às vezes é na banalidade que mora o interessante).

Por Laris

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