Review – 20th Century Boys, de Naoki Urasawa: Volume 1 (Editora Panini)

Essa galerinha do barulho vai aprontar altas confusões com um amigo que só arruma encrenca.

Repetir nessa introdução toda a importância e o tamanho da qualidade de Naoki Urasawa, como foi dito no review de Monster, seria um desperdício. Se existe um autor que eu realmente não encontro tantos adjetivos assim para descrevê-lo, com certeza esse é Urasawa. Com o término próximo de Monster, toda a mídia esperava um trabalho realmente impactante do autor, que não decepcionou: 20th Century Boys foi um sucesso de mídia e de público, conquistando leitores e uma fanbase incrível para um mangá taxado como seinen.

20th Century Boys chega dividindo momentos: ao mesmo tempo em que dizemos que ele vem em uma estratégia da Panini de “pegar carona” no relançamento de Monster, também não seria errado que a popularidade do título é maior do que a obra antiga do tio Urasawa. Claro, isso tudo é suposição, uma vez que nunca tivemos uma pesquisa que realmente diga o que o nosso público consome ou não. De qualquer maneira, um dos títulos mais elogiados da história finalmente dá as caras no Brasil. Resta saber se isso será suficiente para alavancar esse gênero comprovadamente pouco vendido nessas bandas. Mas isso é outros quinhentos. Por enquanto, aproveitemos o que temos em mãos. A história dos garotos do século 20 está para começar.

A História

Amigos de infância. Quem nunca teve? Sonhos, planos, brincadeiras e objetos que marcaram uma época. É assim também com Kenji, o dono de uma loja de conveniência que se desdobra no trabalho para sustentar sua sobrinha Kanna e sua mãe. Ele e seus amigos haviam criado quando pequenos uma pequena base secreta, um lugar onde tudo era possível acontecer dentro de suas imaginações, e onde as regras eram eles mesmos que ditavam – inclusive ver pornografia e ler mangás na hora que quisessem, típicas atividades da molecada. Porém tudo muda no dia que um dos amigos comete suicido. Donki, um dos garotos mais humildes e também um dos mais sonhadores quando criança.

A morte é um mistério para Kenji, e um mistério ainda maior envolvendo um ser chamado de “Amigo”, que possui uma estranha ligação com o símbolo de seu grupo no passado. Afinal, qual a relação do “Amigo” com seu passado? Quem é essa misteriosa pessoa? Qual a mensagem que Donkey e os outros crimes têm com Kenji? Um grande mistério envolvendo assassinatos, intrigas políticas, lembranças do passado e a presença de personagens chave, torna 20th Century Boys um mangá que mistura ficção científica, drama, suspense, ação, aventura, música (existem diversas referencias musicais durante os capítulos) e uma dose sensacional de adrenalina do começo ao fim.

Considerações Técnicas – O mangá

Vou ser bem sincero antes de mais nada: em minha sincera e humilde colocação como leitor, Monster supera 20th Century Boys. E isso não é desmerecimento nenhum, claro. Porém como já foi dito, a fanbase dos garotos é muito maior do que o do Doutor Tenma e companhia, e não é a toa. 20th Century Boys é um mangá de 22 volumes lançado em 1999 pela Big Comic Spirits, da editora Shogakukan. O mangá ganhou uma continuação de 2 volumes chamada 21th Century Boys, ligada diretamente a história. Ele ainda ganhou uma adaptação para os cinemas em 3 filmes live action. Quanto aos prêmios ganhos pelo título, são muitos: Kodansha Manga Award, Japan Media Arts Festival, Shogakukan Manga Award e até o Eisner como melhor série estrangeira são só alguns dos prêmios da série. Ou seja, como disse antes, o reconhecimento e a popularidade é merecido.

Uma das jogadas mais atrativas de 20th Century Boys é como Naoki Urasawa consegue trabalhar as alternâncias entre os tempos que o mangá se passa. Constantemente na história somos jogados para o passado, presente e futuro, necessitando uma enorme atenção para que todo aquele universo faça sentido. Para alguns tal artimanha pode ser considerada confusa, para outros é uma metalinguagem sensacional aproveitada pelo autor. Tudo, absolutamente tudo que ele faz ligação, tem um por que no decorrer da história. As crianças, os assassinatos, a forma como os protagonistas acabam lidando com o “Amigo”. Tudo tem um propósito.

Diferente de Monster, 20th Century Boys possui um apelo emocional muito menor. Até por esse motivo o clima denso e escuro que paira sobre o primeiro acaba se contrastando com piadinhas e quebras de tensão no segundo. Alguns personagens secundários acabam sendo essenciais para tais ferramentas no roteiro, e o próprio Kenji alterna muito sua personalidade. Em alguns momentos o rapaz parece ser deprimido, se culpar pelo seu passado. Em outros, uma pessoa espontânea, que só quer viver sua vida normalmente com sua sobrinha Kanna (que apesar de ter uma história teoricamente triste por trás, não é usada como um fator de emoção forçada pelo autor).

Mesmo com a grande quantidade de personagens presentes na história, com certeza você conseguirá se identificar com um deles, ou ao menos simpatizar. É essa uma das maiores qualidades de Urasawa: transparecer os sentimentos humanos reais em seus mangás. Porém um adendo: é importante saberem que ao final da série, Urasawa teve sérios problemas de saúde (aparentemente, artrite/artrose) o que acabou fazendo com que o traço desse uma caída e algumas situações fossem aparentemente “forçadas” e “rápidas”. Alguns dividem opinião sobre o final, mas todos concordam que a leitura de 20th Century Boys é mais que recomendada para qualquer leitor de quadrinhos, não só de mangás.

Considerações Técnicas – A versão Panini

Para quem viu Monster da editora, não há muito que recomendar. O título segue praticamente os mesmos moldes. Mesma tradutora, adaptação igualmente competente e nada que a Panini tenha feito para descaracterizar a obra. Tudo muito bem, tudo muito bom. Aqui o que realmente chama atenção na versão nacional é o visual: a capa que diverge opiniões.

Particularmente, no primeiro momento a capa causa um impacto visual muito feio, mas ao mesmo tempo ousado e criativo. Mas ao analisarmos melhor, vemos que há um contexto embutido na arte. Os “adesivos” cobrindo o “muro pichado” é uma forma criativa de adaptar toda a história do presente sendo “tampada” por lembranças do passado, afinal, é isso que Kenji e os outros terão que fazer durante todo o título: buscar no passado as respostas para o presente.

Claro que isso é somente uma interpretação, e não ignoro aqueles que não gostaram ou acharam a capa visualmente inferior a americana. É uma ideia diferente, provavelmente com uma aprovação diferente. A Panini também pode ter pensado que uma capa mais “viva” pudesse atrair mais leitores para o mangá, uma vez que seinens e suas capas “simplórias” (Homunculus e MPD Psycho, por exemplo) já provaram para a tia italiana que não vende. Monster é um caso a parte, já que o mangá tem um retrospecto no país. Enfim, bonita ou não, a capa não deve ser o motivo para você deixar de comprar a obra. Pode ter certeza que o conteúdo interno é o que vai valer a pena no final.

Comentários Gerais

Assim como disse em relação a Monster, digo com 20th Century Boys: compra obrigatória para todos que querem uma história ótima. Por ser um mangá longo, é necessária paciência (até por ser bimestral e isso significar esquecer alguns detalhes nesse tempo) e muita calma na leitura, mas com certeza não se arrependerá com o resultado final e vai valer cada centavo gasto. Repetirei aqui algumas palavras que já se tornaram padrão: Urasawa é um gênio e ele prova isso a cada mangá escrito, desde Monster até Billy Bat, sua obra atual.

Gostando ou não da capa, deixe isso de lado. O conteúdo é o que vai valer a pena no final. Além disso, será curioso ver a reação de todos com o final que tanto é polemizado pelos que já leram o mangá em outra oportunidade. Serão quase 4 anos de compras: será que o resultado será satisfatório? Vale a pena o desafio? Vale, com Urasawa sempre vale. E só pra não perder o costume: que venha Pluto!

por Dih

Dih

Criador do Chuva de Nanquim. Paulista, 31 anos, editor de mangás e comics no Brasil e fora dele também. Designer gráfico e apaixonado por futebol e NBA.