Review – O questionador Jinrui Wa Suitai Shimashita

Parem o mundo pois nós queremos descer!

Imaginem um cenário perfeito de contos de fadas: As pessoas são fofas e agradáveis (principalmente as meninas, claro), todo lugar tem aquele jeitinho aconchegante, muitas árvores, sol e ar fresco típico dos bosques. E, como não poderia faltar, ainda temos a presença de criaturinhas adoráveis, sorridentes e mágicas. Maravilhoso, não é? Não.

Hã? Mas por quê? E à essa pergunta que Jinrui Wa Suitai Shimashita, com todo o seu senso de humor peculiar, responde para nós e de diversas maneiras. Não é o tipo de anime que se possa recomendar a qualquer um, mas quem assistiu com certeza se divertiu bastante, tanto ao assistir quanto ao debater com outras pessoas sobre o que viu. Eu me sinto muito feliz por, logo na primeira vez que resolvo acompanhar um anime da temporada da vez (no caso, a de Julho/2012), ter escolhido logo esta série.

Jinrui Wa Suitai Shimashita é uma anime de 1 cour (12 episódios) baseada na light novel de mesmo nome escrita por Romeo Tanaka. Foi animado pelo estúdio AIC A.S.T.A. e dirigido por Seiji Kishi. É uma série feita para ser apreciada lentamente, como um bom vinho, e de preferência com um bolinho para acompanhar. Ou com algo mais agridoce, pois nem só de açúcar é feito o mundo supostamente mágico que o anime nos apresenta.  Sei que Sword Art Online também existe, senhores, mas tenho mais que certeza de que Jinrui também foi uma grande estrela do trimestre passado. E também o poderia ser se tivesse caído em uma temporada com opções mais fortes, com a desta de agora.

Antes de mais nada, bom, é que eu não gosto muito de chamar este anime de Jintai. /tudobem?

A História

Uma garota chega a Vila Camphorwood. Não sabemos seu nome, mas apenas que ela é uma Mediadora a serviço da ONU. Sua missão é contribuir para que os humanos possam ter um bom relacionamento com as fadas, que por sua vez são uma espécie muito animada, louca por doces e… que às vezes dizem e fazem coisas não muito condizentes com a fofura delas.

A garota, se refere a si mesma apenas como Watashi (Eu), trabalha junto com seu Avô, um homem que adora colecionar armas, e com o Assistente, um rapazinho aparentemente mudo mas muito esperto. Juntos, os três resolvem casos estranhos relacionados com as fadas. E se metem em uma série de situações estranhíssimas. Talvez nem tanto para eles, mas principalmente para nós, que enquanto isso nos divertimos e conhecemos pouco a pouco aquele mundo. Enquanto isso, a humanidade segue em seu caminho para a decadência, e tudo que é mostrado durante as missões, assim como a forma como estas acabam, dão sinais desse movimento. 

Na época de Jinrui, a população vive em vilas e no campo, algo parecido com o que é mostrado em Shin Sekai Yori, mas, aparentemente, sem o ar sombrio. O fim de tudo não é mostrado no anime, mas é evidente o sentimento de que, a cada dia que passa, as chances de haver uma escapatória se tornam cada vez mais remotas. E o pior de tudo é que ninguém se move para impedir, de alguma forma, que isso aconteça e, mergulhados na acomodação e no escapismo, todos se afundam ainda mais. A própria Watashi é um exemplo de pessoa bastante ciente do momento que a humanidade está enfrentando, mas prefere apenas soltar suas tiradas cínicas e se sentar num canto para lamentar.

Considerações Técnicas

Se alguém estiver com cara de (!) agora, eu compreendo. Jinrui Wa Suitai Shimashita tem uma aparência muito doce e fofa, uma belíssima paleta de tons pastéis e uma atmosfera alegre. Por isso que muita gente achou que este iria ser mais um anime moe bonitinho dentre tantos, mesmo com a premissa interessante. Quem não negaria que Watashi e as fadinhas são muito apertáveis? Porém, Jinrui é bastante e irônico e já começa a partir daí, mesmo que deixando pistas de que nem tudo é tão lindo naquele mundo. É só pensar nos movimentos repetitivos da dancinha da abertura. Tempos Modernos mandou um olá!

Aliás, a abertura e o encerramento de Jinrui são simplesmente fantásticos. O primeiro por ser tão saltitante e fofamente troll, contando com a excelente música Real World, da banda nano.RIPE. E o segundo não deixa por menos, sendo uma síntese do que o anime mostra como sendo o caminho da humanidade até aquele momento, e, como sempre, inclusive na aparência. O colorido não se desvanece nem quando começam a aparecer comprimidos voando.

O anime sustenta-se em arcos de dois episódios (Sendo que apenas o 9 e o 10 podem ser considerados episódios isolados. Ou não), cada um contando uma missão na qual Watashi é envolvida, e cada um desses arcos tem um tema bem definido que, junto com os demais, formam um conjunto de razões para a queda da humanidade. Jinrui não tem uma história linear, seus episódios estão claramente fora de ordem. No entanto, eles me passaram a impressão de que é como se o enredo estivesse andando para trás. Tanto que o passado de Watashi é mostrado apenas no último arco.

A arte do anime foi muito competente ao passar o feeling “feliz” da história. Os cenários são charmosamente detalhados, com um jeitinho aquarelado em algumas vezes e um ar infantil. Os efeitos de luz também são bastante interessantes, formando linhas e arestas ao invés de curvas, o que é mais comum em outros animes.

O character design dos personagens também possui uma simplicidade meiga, embora a animação tenha ficado mais fraca e inconstante no decorrer da história. Já a direção de Jinrui Wa Suitai Shimashita não foi das melhores, embora tenha respeitado a narrativa do anime e valorizado vários momentos na história.

Porém, será difícil se esquecer de Watashi e companhia bela. A despeito da falta dos nomes, cada personagem tem uma personalidade muito marcante e carisma próprio. A própria protagonista, apesar de sua aparência em muito sugerir apenas um arquétipo, é uma menina inteligente, sagaz e nem sempre tão boazinha. O Assistente só fala uma vez no anime inteiro, mas está longe de ser um garoto-bobo-padrão, tendo uma esperteza comparável a de Watashi e um poder de presença que não precisa de muito exibicionismo para se evidenciar. Mesmo quando um personagem aparece em um arco apenas, ou em menos disso, ele ficar gravado na memória.

Aliás, Watashi não é uma personagem comum. Ela é doce e fofa à primeira vista, e realmente o é, mas também é uma garota inteligente, algo antissocial e um pouco malandra. E por ela fugir do arquétipo, pode causar estranheza ou mesmo fazer que vocês a detestem, mas não é por muito tempo. Ela é uma personagem extraordinária.

Jinrui começa fácil de entender, praticamente jogando na cara os temas dos primeiros episódios. Porém, com o tempo, ele vai ficando cada vez mais interpretativo, filosófico e até ambíguo, lançando mão de uma série de referências históricas e culturais. E quem assiste a série é deve pescar dalí o que puder. Complicado? É, um pouco, mas como eu já disse lá em cima, e aí onde está boa parte da diversão. É o tipo de comédia que você ri na hora e pode até rir mais depois, embora não vá arrancar gargalhadas histéricas de ninguém. Jinrui não é pastelão, pelo menos não na maior parte do tempo. Ele meio que te propõe um jogo de procurar e achar que abre uma série de reflexões. Além de, apesar de várias passagens sugerirem dupla interpretação, suas idéias são apresentadas de forma clara e até sintética.

Considerações Finais

ATENÇÃO: PODE CONTER SPOILERS!

Na verdade, no que diz respeito ao tema, o anime de Jinrui nunca me enganou. Quando li a sinopse, pensei logo “Aí tem!”. E tinha tanto que bastou ler a primeira das muitas resenhas que o Panino fez sobre a série para eu correr atrás de onde baixar. Posso até estar soando repetitiva nesse ponto, mas um só episódio (vou utilizar o nono como exemplo aqui) falou de política, necessidades (não tão) básicas, privacidade, divisão social e mais alguma coisa que posso ter deixado passar em branco.

Porém, não sei se o autor tinha a intenção, mesmo que seja bem capaz de ter, de desviar o nosso foco em alguns momentos. Eu não considero isso um demérito, muito pelo contrário. Até porque a questão da origem das fadas e de qual era o papel delas naquele mundo, que muito empolgou a mim e a outras pessoas que assistiram Jinrui, não exclui ou se mostra maior do o mote de uma humanidade corroída aos poucos. Embora, a princípio, seja tentador escolher uma dessas opções para destrinchar após os episódios.

Nesse ponto, a minha conclusão foi a de que as fadas são tão humanas quanto nós, mas do jeito delas. E elas vão acabar afundando junto com a humanidade, não ligam para isso enquanto ainda poderem se divertir às nossas custas. Um detalhe interessante é que apesar de as fadas terem algum domínio sobre nós, não são todas elas que possuem essa prerrogativa. O que possibilita humanos (no caso, a Watashi) e fadas acabarem invertendo os papéis às vezes. Por que isso? Questões de poder. Humanos se dividem em classes, credos e partidos políticos, e caem na tentação de subjugar uns aos outros. Por que as fadas também não fariam isso? Por ironia, as fadas também simbolizam o imponderável, o destino, o fator divino.

Apesar de a humanidade estar decaindo por causa de um sistema que as mantém com tudo debaixo de suas asas, ela se nega a abandoná-lo por ele significar quase tudo em suas vidas, e prefere ir atrás de fontes de felicidade, mesmo que momentânea.  O arco dos mangás, um dos mais comentados e elogiados de Jinrui, é a síntese disso. Mantenha as pessoas felizes e distantes da realidade o quanto puder, pois, quando você não conseguir mais, vão te descartar mesmo que você só saiba fazer isso na vida. E, no Japão, devido a toda uma carga cultural, isso toma dimensões ainda maiores.

E ainda há um detalhe nesse ponto. Nem mangás e nem a tecnologia em si são instrumentos de opressão ou de alienação. No último episódio, um dos livros que Y, a fujoshi, deixa cair no chão é O Coração do Divino Thomas. Há um mangá yaoi com quase esse mesmo nome, escrito por Hagio Moto, que é da geração de mangakás que revolucionou a indústria de shoujos nos anos 70. A principal motivação das autoras daquela época, em relação ao yaoi inclusive, era usar os quadrinhos com uma forma de emancipação feminina e como meio de dizer à outras mulheres que elas podem ser mais do que as sociedade queria que elas fossem. Porém, com o tempo, acabou se tornando na outra face do moe.

Enfim, no meio de toda essa confusão, o que realmente somos? Ou em quê nos tornamos?  Em qualquer lugar do mundo, há toda uma pressão para que sigamos um jeito “certo” de ser perante a sociedade. As pessoas tem que ficar sob medida com o que os outros pensam, como aconteceu ao Assistente, no arco dos loops temporais, após ouvir a idealização de rapaz que um grupão de Watashis “cozinhavam”. Ou como as integrantes do Clube da Rosa Selvagem, que usavam uma máscara diante dos todos para parecerem o suprassumo do colégio. Uma situação que remete muito a Oniisama E, que também tinha um clube da nobreza e personagens instáveis.

E isso leva ainda outro ponto. A busca por essa “perfeição” acabou trazendo uma série de arficialidades, seja nas pessoas, seja nos objetos, seja em todo o mais. E o que é artificial não tem uma base segura ou saudável. Porém, é bonito ou tem um sabor bom, então está tudo bem. Parece um pouco o nosso mundo, mas é essa a intenção. Jinrui é uma sátira ao mundo moderno, e mais especificadamente ao Japão Moderno.

É verdade que este não é um anime muito alentador em sua mensagem. O final inclusive abandona um pouco o humor e se deixa levar pela depressão que já permeava, por baixo, tudo o que veio antes. Porém, mesmo aí, ele não te deixa com aquele nó na garganta. Tudo é passado de uma forma natural, sem apelar para a emoção ou para o choque. Você não vai se sentir mal após acabar o anime, o que não significa que você vai ignorar tudo o que viu.

De qualquer forma, quem não assistiu, assista Jinrui Wa Suitai Shimashita. Assistam como se o próximo episódio só fosse sair na semana que vem e aproveitem. É um tipo de anime raro que, quando aparece, nós devemos aproveitar bastante.

E não se esqueçam de provarem pãezinhos com recheio de cenoura!

Por Georgie-san.

Dih

Criador do Chuva de Nanquim. Paulista, 31 anos, editor de mangás e comics no Brasil e fora dele também. Designer gráfico e apaixonado por futebol e NBA.