A Whole New World – Sega x Nintendo: A Guerra Dos Consoles dos anos 90

A guerra fria tinha acabado, mas uma começava nos videogames.

Eu jogo videogames desde que eu me conheço como gente. Comecei essa minha paixão quando ganhei um MasterSystem, que era um controle e videogame ao mesmo tempo, um tijolão que tinha um grande problema de mal contato e que me fazia ficar horas em uma posição para ele não desligar sozinho. Bem, até hoje esse vício permanece, agora na forma de um PC e Ps4 que conseguem me deixar vidrado na televisão, mais apaixonado do que nunca. Com isso, também acabo consumindo videogames em outras mídias com podcasts, youtubers, sites de jornalismo de jogos e livros. Então não é grande surpresa que o livro A Guerra dos Consoles veio chamar minha atenção. Uma história que nos mostra sobre como as empresas trabalhavam em uma das épocas mais interessantes da indústria.

O livro me absorveu tanto que, a todo momento, surgiam comentários meus no twitter, mas os 140 caracteres eram poucos para conseguir extravasar tudo o que queria falar sobre ele. É nesse tipo de coisa que essa coluna vem a calhar. Então a A Whole New World vai voltar aos anos 90 e ver de perto o mundo que está em uma grande guerra entre Nintendo e Sega.

O que é?

Tom Kalinske está em busca de um novo desafio, ele é um grande executivo que foi responsável na Mattel por revitalizar a famosa boneca Barbie, ajudou no desenvolvimento do He-man e conseguiu colocar a empresa Matchbox Toys no mercado como uma concorrente para a já estabelecida Hot Wheels. Com um currículo desses não demorou muito para Tom encontrar um novo emprego, ou melhor, não demorou muito para Tom ser encontrado por um novo emprego e um novo desafio. Hayao Nakayama, o presidente de uma empresa chamada Sega, o abordou durante suas férias no Havaí com uma proposta um tanto interessante: Se tornar CEO da Sega of America e competir de frente com a dona de 90% do mercado de consoles no país, a Nintendo.  O problema é que Tom não conhecia nada sobre videogames e ele não sabia se os japoneses lhe dariam a liberdade que ele precisaria ter.

O livro conta a história de como uma companhia pequena como a Sega enfrentou, de frente, a gigantesca Nintendo, e como essa luta revolucionou a indústria de videogames para o que conhecemos hoje em dia.

Now you’re playing with power

A Guerra Dos Consoles foi criado pelo autor Blake J. Harris em 2014 tendo um total de 584 páginas e foi publicado no Brasil pela editora Intrinseca, ele é uma versão romanceada dos fatos retratados,  já que o autor claramente torna Tom Kalinske o protagonista da história e essa escolha faz a leitura se tornar muito mais divertida. Existem diversos motivos para essa escolha de ponto de vista, como o fato que o público normalmente gosta mais de uma história sobre como um pequeno David conseguiu encarar de frente o gigante Golias – é só ver a quantidade de filmes que são feitos por ano com base nessa temática. Também temos o fato de que a Nintendo tinha uma posição muito mais neutra que a Sega nessa corrida de vendas, afinal de contas, eles tinham 90% do mercado de games na época e era um tanto rígida quanto as suas decisões; tudo passava pelo comando de Arakawa e esse tinha um modelo muito conservador de gerenciamento. Fora isso, temos o fato de que o autor fez toda uma série de entrevistas para conseguir fazer o livro e, é muito provável que tenha sido complicado retirar informações dos funcionário da Nintendo.

Super Nintendo vs Mega Drive foi uma briga bem diferente da que ocorre hoje em dia com Xbox One vs PS4. Atualmente, a biblioteca de jogos das empresas é feita de poucos exclusivos e uma grande quantidade de jogos Third Party, que são jogos que podem rodar nos dois consoles com a única diferença entre eles ser uma questão de performance. Antigamente, era bem mais difícil você encontrar um jogo igual para Super Nintendo e Mega Drive. Era comum ter jogos com o mesmo nome, mas jogabilidades e gráficos totalmente diferentes nos dois videogames e, também tem o fato de a minha geração depender dos pais para comprar jogos, então cada um precisava durar meses de diversão. Essa diferença pode ser vista nesse vídeo comparando o gameplay das duas versões da adaptação do filme Alladin e perceber que são dois jogos completamente diferentes.

O motivo dessa diferença toda em relação as videogames atuais vem de toda uma política bem controladora que a Nintendo possuía na época, onde ela controlava o número de lançamentos que cada empresa levaria para o seu console, a venda dos cartuchos e também possuía um contrato muito rígido que lhe dava exclusividade total dos jogos. Parece um pouco absurdo lendo dessa maneira, mas foram essas e outras medidas que a Nintendo tomou com as produtoras que levantou o mercado de games das cinzas deixadas pela a Atari e seus inúmeros concorrentes. Só que, claro que tudo isso irritava não só as produtoras de jogos, mas também os lojistas que vendiam os seus produtos; mas ninguém podiam bater de frente com ela e correr o risco de acabar perdendo um negócio lucrativo.

E é isso que Tom Kalinkse percebeu e resolveu mirar para ferir o gigante.

Welcome to The Next Level

O livro logo de cara me trouxe uma nostalgia dos tempos de locadora e das brincadeiras com os vizinhos, aquela tensão que sempre pairava no ar quando alguém ousava dizer que um console era melhor que o outro, e que sempre vinha acompanhada com uma série de discussões, com gritos falando que o Mario era melhor que o Sonic ou que o Super Nintendo era coisa de criança. Lendo o livro você percebe que esses conflitos eram basicamente a chama na fogueira que Tom Kalinske e seu grupo de marketing na Sega of America queriam alimentar, colocando na mente do consumir uma semente de dúvida sobre o fato da Nintendo ser realmente tão boa assim.

O autor Blake J. Harris trás o foco para as questões do marketing agressivo e administração da Sega of America na época e, é engraçado como era realmente bem retratado o pensamento dos anos 90, onde tudo deveria ser “cool” e radical. Eu me lembro como a Marvel nos anos 90 era recheada de capas com os heróis segurando armas enormes e usando armaduras. Também temos espaço para conhecer o background das duas empresas, saber o quão importante um jogo de futebol americano e um ouriço azul foram para o Mega Drive e, até mesmo como um jogo de baseball foi responsável pela chegada da Rare nos consoles da Nintendo. Foi engraçado procurar na internet vídeos que mostravam exatamente o momento retratado em alguns capítulos, como por exemplo os monitores montados lado a lado mostrando Super Mario World e o primeiro Sonic, ou assistir os comerciais que passavam na TV.

Cada curiosidade ou vislumbre dos bastidores me deixava cada vez mais ansioso para o próximo capítulo e para descobrir novas histórias, fazendo com que eu devorasse todas as 584 páginas do livro em menos de 15 dias e parasse para reler algumas partes. Foi divertido e gostoso de ler, mas só depois de algum tempo depois do fim da minha leitura que comecei a reparar em seus problemas. Citei anteriormente como o livro é uma versão romanceada dos fatos, dos motivos que Tom Kalinske e a Sega serem os protagonistas e como eu gostava dessa decisão, mas ainda assim, com o passar do tempo essas escolhas começaram a deixar um gosto meio amargo na minha boca.

Eu queria saber mais sobre a Nintendo também, fiquei com a sensação que faltou falar mais das histórias daquela que era líder de mercado, e não ver ela apenas como uma vilã ultra conservadora. Outro ponto que me incomodou é que Tom é quase perfeito, não comete erros ou nunca se altera, sendo que a culpa é imediatamente transferida para a Sega do Japão se algo saísse errado. Fora que, fracassos como o Game Gear e o Sega CD não são nem comentados – parece que o lançamento desses dois hardwares foram ótimos, mas quem conhece um pouco sobre o mercado de videogames sabe que não foi bem assim.

You Are Not Ready

A Guerra dos Consoles é uma volta aos anos 90 em uma das épocas em que o mercado de videogames fervia de empolgação após uma grande depressão. Mostra os bastidores e curiosidades do confronto entre as duas empresas mais populares na época. O livro é uma ótima pedida se você viveu na época desses dois consoles ou se quer saber de curiosidades da indústria, como toda a história da Nintendo – que saiu de uma empresa que fazia cartas de hanafuda para uma gigante dos videogames – ou como o Mr. Needlemouse acabou se tornando o Sonic, ou até mesmo a ligação entre Alladin e Donkey Kong Country.

Só tente não se levar tanto pela narrativa; apesar de tudo, o livro é uma versão romanceada dos acontecimentos e torna Tom Kalinske quase um Deus da administração, mostrando que ele não está nem tentando ser parcial. Blake J. Harris retrata Tom como uma figura infalível e, os erros cometidos pela Sega durante sua administração normalmente são atribuídos aos japoneses. É claro que não estou dizendo que ele não merece todo o crédito que possui, e durante a leitura isso não me incomodou, mas depois de pensar um pouco mais sobre o caso, comecei a me perguntar se foi realmente daquela maneira que tudo aconteceu.

Você pode encontrar o livro A Guerra Dos Consoles – Sega, Nintendo e A Batalha Que Definiu Uma Geração na Amazon tanto por edição física quanto por digital.  E se você ficou curioso e quer saber mais sobre a indústria dos jogos, eu recomendo o site Jogabilidade com seus vídeos e podcasts sobre o assunto.


A GUERRA DOS CONSOLES:
Sega, Nintendo e a batalha que definiu uma geração

Autor: Blake J. Harris
Editora: Intrínseca
Preço: R$59,90

Luk

Eu juro que gosto de animes, apesar de todo o meu haterismo.