O homem se resume a apenas rótulos e materiais?
Apenas um homem que vive entre dois “mundos” ou muito mais que isso? Sabe aquela leitura que deixamos passar por não conhecer nada sobre? Essa é a história de Homunculus no Brasil, que veio com uma das primeiras “levas” de seinen da editora.
Homunculus é um mangá não tão conhecido, mas que dificilmente não agradou um leitor que buscasse um seinen de qualidade. Seu ótimo começo fisgou grande parte dos leitores desse nicho que tiveram oportunidade de lê-lo. Muitos deixaram a obra passar por falta de informação, já que, na época de seu lançamento, o título não teve uma divulgação sólida. E como sabemos, dificilmente alguém compra algo sem ao menos ter uma noção do que está adquirindo. E isso deve ter custado caro pra Panini…
A HISTÓRIA
Partindo do princípio de que um estranho, de má reputação, peça-lhe para fazer um buraco no crânio de 700 mil ienes, você aceitaria? Quase certeza que não, mas não são todos na frente de tal pedido que podem se dar ao luxo de recusar, como por exemplo Susumu Nakoshi. Vivendo dentro de um carro, Nakoshi não pode dizer não a uma proposta tão tentadora como essa, agora que sua existência parece ter parado em um beco sem saída: ele está localizado no exato meio termo entre a vida normal das pessoas chamadas de “respeitáveis” e da vida dos sem-teto. Ele então decide aceitar a proposta do estranho Manabu Ito, ou seja, a “perfuração”, ou a “trepanação”: um pequeno buraco de três milímetros no crânio que causa dezenas de efeitos mentais diferentes, e no final se mostra ser uma experiência que decide ir longe demais para obter o sexto sentido humano… Nakoshi terá que passar seus próximos dias como uma cobaia de Manabu, e tentar superar todas as estranhas sensações que sua mente passa a ter.
Mas qual o porquê de tudo isto? O que Nakoshi fez para chegar naquele estado? O que Manabu tem em mente? Muitas dúvidas, poucas respostas e milhares de analogias. Será mesmo que “Homunculus” é só isso?
CONSIDERAÇÕES TÉCNICAS
Lançado no Japão de 2003 até 2011 na revista Big Comic Spirits (mesma casa de 20th Century Boys, OyasumiPunpun e I Am a Hero) e publicado no Brasil pela Editora Panini de 2008 a 2014, somando 15 volumes. Homunculus tem como autor Hideo Yamamoto, conhecido pelo seu excêntrico mangá Ichi the Killer, bem famoso graças ao “gore” de seu live-action. Em nosso país o título acabou tendo uma “novela”, sendo ameaçada pelo cancelamento graças a baixa quantidade de vendas e demorando quase dois anos e meio para o lançamento de seu último volume.
Muitas partes podem ser interpretadas de maneiras diferentes. Eu posso achar uma coisa e você outra totalmente oposta. Esse é um dos motivos que faz ser uma obra tão interessante, diferente e imprevisível. Homunculus não é um mangá de ação, e que isso fique claro. Ao menos não ação no sentido de porradaria. É uma trama psicológica que brinca com o seu entendimento jogando explicações em um volume e desconstruindo-as em outro, como se te desse um tapa na cara e perguntasse “como você conseguiu acreditar nisso?”.
O objetivo da obra é criticar o povo japonês. Sim, toda a série parece direcionada para esse povo e a sua forma de viver. Que eles são cheios de “perfeccionismo”, todos nós sabemos. Porém, tal forma de agir acaba fazendo com que de crianças a adultos existam comportamentos variados, coisas que se diferenciam de muitos países e culturas. Alguns desses comportamentos, extremamente nocivos. Uma coisa que demonstra essa crítica é que dificilmente conseguiremos nos identificar com as personagens, já que algumas são bem estilizados e outros bem “japoneses”. Mesmo assim, tudo que é apresentado na obra tem relação com o ser humano em geral: as mentiras que cria, a aparência perfeita que busca, a hipocrisia que tem e as mais diversas áreas onde o é imperfeito. Tanto no seu interior como no exterior.
Outro ponto de Yamamoto é como ele busca desenvolver os personagens. Esse trabalho é feito de uma maneira primorosa através, principalmente, de todo o perfil psicológico traçado sobre Nakoshi. Um instrumento de roteiro muito bem utilizado, mas que acaba fazendo com que os outros personagens sejam quase que “apagados”, induzindo quem acompanha a série a manter sua atenção apenas nele. É uma sensação diferente de qualquer outra leitura.
A história possui poucos personagens, sempre focando em Nakoshi e Manabu e seus traumas e é aí onde Homunculus brilha. Em cada volume se conhece um pouco mais sobre a vida e os sentimentos de Nakoshi, fazendo com que o leitor tenha ainda mais curiosidade e o motive a ler do começo ao fim. Um dos pontos mais intrigantes é o fato do autor fazer o leitor se perguntar o significado de vários acontecimentos, as vezes explicando, e, outras, deixando para que ele mesmo descubra de forma subjetiva (na maioria das vezes é assim). Um fator importante é o desenho de Hideo Yamamoto, bem estilizado, mas ainda assim, “realista” (em comparação com Ichi the Killer, seu traço muda muito). Cabe perfeitamente no tipo de narrativa que ele produz, principalmente com as suas jogadas de quadro e páginas duplas.
Quanto ao polêmico final, me pegou de surpresa. Até hoje não sei o que achar sobre os acontecimentos e desenvolvimentos finais. Confuso, absurdo, comovente e intrigante, reli mais de 4 vezes as últimas páginas. Não gostei e nem desgostei do final, mas ficou um gostinho de “quero mais”.
COMENTÁRIOS GERAIS
Homunculus é o tipo de mangá que se deve prestar 100% de atenção na leitura, ou até mesmo que releia algumas partes e, se possível, ler tudo de novo. Cheia de analogias, conversas densas e coisas que exigem o máximo da sua atenção. Você se sente recompensado após entender tudo. A obra tem um lado “psicológico” bem sombrio, utilizado pelos próprios personagens para desenvolvimento de roteiro e, é claro, pelo próprio autor em sua narrativa, mas tudo beirando o “doentio” em certas ocasiões. Pra você que adora a área da psicanálise, ou até mesmo trabalha e tem interesse em cursá-la, só posso dizer que é um título extremamente obrigatório.
Porém, ele acaba dividindo opiniões. Não apenas em um “bom ou ruim”, mas sim durante o entendimento de certos acontecimentos, algumas analogias e até mesmo o básico “gostei” e “não gostei” daquela cena. Esse é o forte da obra: a divergência de “olhares”, a diferença de “entendimentos” fazendo com que uma conversa dure um bom tempo. O mangá consegue fazer com que se tenha vontade de reler para se aprofundar cada vez mais. Suas referências, seus diálogos, suas páginas, tudo se completa de uma maneira única, que cada um tenha uma visão de certa parte da leitura. Você não vai encontrar nada parecido com Homunculus no nosso mercado.
Quer algo diferente? Quer algo psicologicamente pesado? Quer algo humano? Pois então esse é o título para você.
FICHA TÉCNICA
Título: Homunculus (ホムンクルス)
Autor: Hideo Yamamoto
Editora: Panini
Total de Volumes: 15 (Completo)
Valor: R$9,90 – R$18,90
Pontos Positivos
- Psicanálise muito bem aproveitada dentro da história;
- Narrativa consistente que te puxa para dentro da leitura, cheia de analogias e simbolismos;
- Autor não tem medo de mostrar coisas que você não quer ver, para o bem da história.
Pontos Negativos
- Personagens não são tão carismáticos;
- Final extremamente confuso;
- Não é uma obra de fácil digestão. Não é o tipo de mangá que a maior parte das pessoas vai se interessar no primeiro volume.
Nota Geral: ★★★★