Review – O mundo desconexo e divertido de ‘Arakawa Under the Bridge’

Loucura, estranhezas, relacionamentos e uma pitada de crítica.

Ler Arakawa foi como voltar para esse universo maluco, pois já havia assistido ao anime. Morria de tanto rir com os episódios hilários e a comédia nonsense, porém, o que realmente me impressionava estava nas entrelinhas.

Durante o Anime Friends de 2015, a Editora Panini anunciou um título relativamente conhecido, mas que acabou surpreendendo a todos, já que no Brasil poucos mangás focados em comédia tinham feito sucesso até aquele momento. Arakawa Under The Bridge, de Hikaru Nakamura, foi um bom sinal para o mercado.

A pequena quantidade de séries do gênero lançadas por aqui já eram conhecidos por causa dos animes transmitidos na televisão. E agora, com poucos em exibição, essa linha de títulos em nossas bancas não é muito grande, ainda mais se estivermos falando de nonsenses. A Panini vem apostando em obras diversificadas de comédia – Beelzebub, Ore Monogatari!!, Nisekoi, Yokai Watch e o recém anunciado Mob Psycho 100 – para que o mercado se expanda e o leque de possibilidade aumente. O retorno de Dr.Slump e o recente Sakamoto Desu Ga? demonstram que a editora continua mantendo essa postura.

A HISTÓRIA

Imagine uma família onde o lema seja “nunca deva nada a ninguém”; Kou Ichinomiya é o filho primogênito de uma e o herdeiro de sua empresa, a Ichinomiya Company, um rapaz que cresceu sem receber ajuda de ninguém. Por uma ironia do destino, ele acaba sendo salvo por uma garota quando cai em um rio e graças ao lema da família, se vê obrigado a retribuir o favor. A moça chamada Nino acaba fazendo um pedido onde Kou se vê “obrigado” a morar embaixo de uma ponte junto com ela, ganhando o nome de “Recruta”.

Seria trágico, senão fosse cômico. Ou seria cômico, senão fosse tão trágico. O pior, ou melhor, é que todos os moradores possuem suas “particularidades”. Mas será isso mesmo? Arakawa é uma singela história com vários pontos de vista.

COMENTÁRIOS GERAIS

Arakawa Under the Brigde é um mangá seinen de Hikaru Nakamura, autora da famosa obra Saint☆Onii-san, aquele mesmo sobre Jesus e Buda tirando férias no Japão. Lançado na revista Young Gangan, da Square Enix entre 2004 e 2015 e completo em 15 volumes, o mangá contou com duas temporadas de anime produzidas pelos estúdio SHAFT (série Monogatari, Nisekoi, Madoka) e um filme live action e a obra teve boa repercussão em seu país.

“Pessoas excêntricas que não se encaixariam na sociedade”, essa máxima define os personagens que moram embaixo da ponte do rio Arakawa. Ver como é o dia a dia dos moradores e a maneira como eles vivem. Logo no primeiro volume temos o choque entre dois mundos, com pessoas opostas: um desses lados leva tão a sério fazer as coisas por si mesmo que acaba quase morrendo, enquanto o outro não vê nada demais ajudar o próximo. A obra aborda como as pessoas realmente são e como elas querem ser enxergadas. 

Todo o “status” do Recruta não serve para nada em sua nova moradia e isso acaba dando um contraste com os demais, principalmente com a Nino, que vive em outro mundo e não tem noção do que é considerado importante em termos de convivência. Os personagens possuem um carisma incrível e isso é algo que autora faz com muita maestria; cria, apresenta um background durante a história e vai desenvolvendo no processo.

O humor ácido e aquelas cutucadas ao povo japonês – ambiente de trabalho, o sistema de ensino –  acontecem constantemente durante o mangá, onde os personagens vivem fora da sociedade por vários motivos, ainda não explicados, que as fazem se sentir fora do “senso comum”. Certas metáforas cabem também ao mundo, como por exemplo, ajudar alguém sem pedir nada em troca. Em outras, só precisamos ligar os pontos, como a cena onde o Sister começa a missa e, logo após, termina por ninguém responder se fez algo errado durante a semana – e então, ficarmos sabendo que ele distribui biscoitos depois.

“Pela primeira vez no Ocidente, esta é uma obra neossesorialista recheada de matáforas irônicas e humor ácido. Afinal, é uma comédia…? Ou não?”

Esse trecho, retirado da quarta capa do volume 1, demonstra que a série transmite através da comédia muitas mensagens: diálogos com interpretações ambíguas e até mesmo as críticas já citadas. Mas, o que seria o neosensorialismo? Simplificando, foi um movimento que aconteceu no Japão, que “defendia a experimentação e a compreensão sensitiva do leitor” (trecho retirado do glossário), com isso, os costumes eram satirizados e criticados. Por incrível que pareça, a Hikaru Nakamura consegue utilizar muito bem os momentos “humanos” e as partes nonsense, fazendo com que o leitor tenha aquele choque com a mudança repentina.

Uma das coisas que mais me agradou em Arakawa é a falta de diálogo expositivo – toda a narrativa é muito bem feita, não tenta ficar explicando as coisas, apenas organiza as conversas de um jeito em que tudo flui naturalmente. Fiquei surpreso ao pegar o volume e reparar que os capítulos são curtíssimos, variando de 2 a 10 páginas, com excelente quadrinização, que inclusive ajuda bastante no ritmo da leitura, com uma pegada leve e rápida.

O desenho não é tão detalhista, mas as expressões faciais se destacam, dando um charme ainda maior para personagens como o Presidente e o Estrela, além do uso de luz e sombra, que dá um ótimo contraste com o traço. A colorização das páginas especiais e das capas parecem uma pintura feita com aquarela. É lindo.

EDIÇÃO NACIONAL

Essa foi a primeira vez que Arakawa foi lançado em solo ocidental, com uma ótima adaptação do logotipo japonês, transmitindo e passando visualmente a maneira como as palavras foram dispostas, fazendo com que formem algo parecido com uma ponte – com a fonte branca e quadrada – remetendo aos silabários japoneses. Lembrando que todas as capas possuem estilos bem diferentes, por isso os detalhes mudam de volume pra volume.

Uma ótima edição da Panini. com páginas coloridas no final do volume que podem ser lidas tanto da maneira oriental quanto na ocidental; papel pisa brite e no formato padrão (13,7 x 20 cm). Tradução feita por Drik Sada com edição de Beth Kodama e Camila Cysneiros.

Não reparei em nenhum erro de edição, revisão e letreiramento, tudo bem redondo. As adaptações estão bem feitas e encaixam perfeitamente com o clima do mangá. Tinha um pouco de medo da obra ficar “ajaponesada”, mais isso não aconteceu.

CONCLUINDO

Essa é, sem dúvidas, uma obra com ótimo roteiro, humor ácido e inteligente, personagens carismáticos, temática diferente, além da trama que se desenvolve pelos mínimos detalhes. Parece uma leitura despretensiosa, mas acaba se aprofundando em assuntos pouco explorados. Você nem acredita quantas mensagens ela quer te passar pois tudo parece simples. Não se engane.

A obra mostra que as pessoas podem ser felizes com pouco, coisas materiais não são tão importantes quanto parece. Os rótulos não são maiores do que aqueles que os levam. Nem tudo aquilo que aprendemos durante a infância deve ser levado como verdade absoluta- levem o Recruta como uma prova disso, onde valores conturbados foram passados de geração para geração em sua família.

Arakawa Under The Brigde é uma ótima surpresa para aqueles que não o conheciam até aqui. Para mim, é uma alegria enorme poder acompanhar de novo os dias insanamente loucos de Ric e Nino e, enfim, descobrir todos os segredos que o anime não adaptou. Um dos melhores lançamentos de 2016.


ARAKAWA UNDER THE BRIDGE

Autora: Hikaru Nakamura
Editora: Panini; Preço: R$13,90
Periodicidade: Bimestral
Total de volumes: 15 volumes

Gabriel Sau

Jovem rapaz formado em jornalismo e imitador do Silvio Santos. Fã e pseudo-crítico de quadrinhos e joguinhos. Colecionador de mangá que passa 80% do tempo falando sobre eles no Twitter.