Review | Uma opinião impopular sobre ‘Hellsing’, de Kohta Hirano

Algumas coisas são melhores na lembrança.

Já ouviram falar que certas coisas que gostamos muito na infância devemos deixar na infância? Pois é. Até então eu já havia passado por isso com alguns animes e mangás, sendo Cavaleiros do Zodíaco como o mais rápido de recordar neste momento, mas poucos me decepcionaram tanto como aquele que carrega o nome dessa resenha.

Pra quem é “novinho” demais nos anos 2000, talvez não lembre o BOOM que certas obras fizeram naquela década. Alguns ultrapassaram gerações e continuam fazendo sucesso com a molecada atual, inclusive. Eu vivi o auge da época dos DVDs piratas da Liberdade, e foi nesse período que adquiri coisas como Elfen Lied, Trigun, Gungrave e outros, alguns bons e outros muito ruins quando tive a oportunidade de assistir. Hellsing estava lá no meio. E como grande parte da molecada, amei aquilo. Sangue, porrada, umas armas e muita ação.

Alguns anos depois, a JBC lançou o mangá no formato meio tanko – e li, e amei, como o anime na época – e recentemente optou pelo relançamento do mesmo. Em um formato mais bonitinho, com belas capas e uma edição revisada, eu pensei: por que não? E se arrependimento matasse…

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A HISTÓRIA

Vampiros existem. É dever da Hellsing, uma organização patrocinada pelo governo britânico, esconder esse fato assustador e proteger a população que nem imagina tal falto. Juntamente com o seu próprio exército pessoal, Hellsing também tem algumas armas secretas. Alucard, um vampiro incrivelmente poderoso, tem sido controlado pela Hellsing há anos. Embora ele não goste de ser um servo da família Hellsing, ele certamente aproveita seu trabalho como exterminador de vampiros. Seras é um vampiro incipiente e uma antiga policial. Embora relutante em abraçar seu novo cargo, ela ainda é um membro valioso da organização.

Integra Hellsing, a atual líder, geralmente é plenamente capaz de cumprir o seu dever, mas ultimamente, a atividade dos vampiros tem estado em ascensão. Infelizmente, a causa é mais alarmante do que qualquer coisa que ela poderia ter imaginado. Um grupo que durante muito tempo foi dado como morto, foi conspirando em segredo para mergulhar a Inglaterra, e talvez o mundo inteiro, em uma guerra.

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CONSIDERAÇÕES TÉCNICAS

Publicado em 1997 no Japão na revista seinen Young King Ours, da editora Shonen Gahosha, Hellsing é um mangá criado por Kohta Hirano, um cara tão maluco, mas tão maluco, que fica difícil acreditar em tudo que ele fala. Mas eu já sabia disso. Já havia lido seus freetalks absurdos, no qual ele claramente se declara apaixonado por nazistas, se mostra um pervertido de níveis estranhos, além de extremamente desrespeitoso com seus fãs – por mais que alguns possam dizer que tudo não passe de brincadeira do autor. Pois bem. A gente tenta relevar. Eu deixei de lado completamente meu ódio pelo pessoal do cara, e podem ter certeza que em nada isso influenciou na minha opinião sobre a obra.

Mas amigos… Sinto lhes informar que nossa memória afetiva nos enganou. Talvez “fraco” seja a palavra ideal para definir Hellsing, mas continua sendo bem abaixo do que eu esperava. Talvez se você tenha entre 13 e 17 anos e esteja lendo essa resenha, sua opinião não seja como a minha. Por isso, uma dica: não releia a obra daqui alguns anos. Guarde o que há de bom em sua mente. Mas se você é fã da obra e sabe distinguir um pouco o afetivo do racional, tente reler o mangá.

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A história simplesmente anda como se… a história não importasse. Até existe uma linha de raciocínio dentro da cronologia do roteiro, mas o próprio autor diz em certo momento que você provavelmente não entenderia nada do que estava rolando ali. E é verdade! Tudo o que você tem vontade é de ver Alucard e Seras lutando, e nada mais. E realmente, apesar de um pouco confusas no traço e na sopa de onomatopeias, as transformações de Alucard são muito divertidas.

No mais, você se pergunta a todo momento o que tá rolando, o que motiva os personagens, sua luta, sua missão e até um “quem é você?” pra alguns. Não há um bom desenvolvimento, não há uma continuidade e tudo parece jogado nas páginas como se simplesmente tivéssemos que entender automaticamente. Tirando que a batalha principal se desenvolve em torno de três grupos: a igreja católica (comandada pela seção XIII – Iscariotes), os protestantes (comandada pela Hellsing) e por… nazistas, que começam a brotar do nada transformados em vampiros e matam todo mundo. E em nenhum momento isso faz sentido! Nada! E isso me deixa extremamente desapontado.

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Não, não é o absurdo dos grupos. É a execução da obra. Existe uma possibilidade absurda de construir boas histórias com esses elementos, mas o autor parece querer que seu mangá se torne apenas uma fanfic gigante. E talvez essa seja mesmo a intenção dele, quem sabe? Ele não se leva a sério (ainda bem) mas isso não faz com que todos seus defeitos sejam anulados. Pelo contrário, existe uma linha muito tênue entre um mangá que se propõe a ser “estranho” e um mangá realmente ruim. Hellsing anda na corda bamba.

A reta final então, nem se fala. Só de lembrar isso na obra já me dá mais calafrios ainda. O final é ruim, absurdo e sem pé nem cabeça. Se vocês reclamam que shounens longos sempre deixam furos na história, Hellsing deixa uma cratera inteira. As motivações se perdem, com criações no mínimo estranhas, em batalhas que não conseguimos absorver ou entender nada e com um vacilo na arte do autor que chega até a incomodar de tão poluído que tudo fica. A impressão, somada aos comentários do mangaká, é que ele estava de tanto saco cheio de tudo que resolveu chutar o balde, trazer gente de volta sem mais nem menos, inventar uma desculpa qualquer para tentar deter Alucard e vamos em frente! Poucas vezes me senti tão incomodado com o final de um mangá como foi com Hellsing. Poucas vezes senti um potencial de história tão divertida pela forma “equivocada” do autor, talvez, de lidar com seu título. Fraco.

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Mas o que diabos nossa memória afetiva nos traz de boas recordações? Além das cenas de ação que citei anteriormente – desde as batalhas de Alucard, até os golpes armados de Seras – os personagens não são o maior exemplo de complexidade do mundo, mas são muito divertidos e têm um carisma próprio. Alucard – que tem todo um background de criação com Drácula de Brain Stocker, Nosferatu e outros famosos contos e mitos do mundo real – é um protagonista todo errado, uma vez que não é bonzinho, não tá nem aí pra matar todo mundo e as únicas pessoas que ele se importa são Integra e Seras. A primeira é uma fucking líder que bota qualquer capitão de Bleach no bolso, e mesmo sem ter tantas participações em lutas, sabe dar as ordens, criar estratégias e levar as situações ao seu favor. Girl power total. Seras é outra personagem que se destaca por ser uma meio termo no meio de tudo isso, aprendendo a controlar seus poderes e vivendo para seu mestre – além de seu núcleo romântico com um personagem (que não vou citar aqui) que é bem divertidinho, apesar de alguns absurdos que rondam isso na reta final – só pra variar.

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Os vilões também possuem sacadas interessantes. O padre Andersson, apesar de não concordar e não conseguir ver o que foi feito com ele na reta final (também), é um rival digno para Alucard, aliás, o único que realmente vale a pena para o vampiro. Já o Major é a personificação do mal. Embora haja uma espécie de “adaptação” de roteiro para que ele vire o “cara que sabia de tudo” (é quase um Aizen, em Bleach), o papel dele é importante no que resta de história. O que ele quer? Guerra. E dane-se todo o resto. Literalmente. Ninguém ganha. Todos perdem. Esse é basicamente o lema do baixinho – que mais uma vez podemos afirmar e encher a boca para dizer que teve um final ridículo.

Obviamente que existem coisas divertidas e até bem feitinhas. O primeiro ponto, apesar de non-sense, é a linguagem utilizada, rebuscada, lembrando muito a forma britânica da coisa. Aqui julgo positivamente o trabalho de adaptação da JBC, mas falo um pouco mais da edição nacional posteriormente. O segundo ponto é a arte. Apesar de ter passagens confusas nas lutas, Hellsing tem um traço muito único e característico do autor. Linhas fortes, olhos expressivos, acessórios bem definidos (a paixão dele por armas fica muito clara, sem nenhum espaço pra interrogações) e, por incrível que pareça pelo nível de babaquice de Hirano, um design interessante para mulheres, sem apelo sexual excessivo. Porém há de se concordar que até se acostumar com tais características, não é estranho confundir homens e mulheres na arte. Quem dera fosse o único problema do mangá…

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A EDIÇÃO NACIONAL

Hellsing é mais um dos relançamentos da JBC em 2015. Depois de uma versão meio tanko com papel jornal em meados dos anos 2000 – que na época já foi muito criticada ao lado de Utena, tendo em vista que o tanko completo já era uma realidade de mercado – o mangá ganhou esta nova versão com belas capas (algumas melhores que as originais), papel offset – que apesar da JBC não revelar a gramatura, parece muito algo em torno de 70g, uma vez que não existe transparência e a qualidade de manuseio é muito boa – e capas internas com ilustrações que estão presentes na capa fixa do original japonês. Apesar do preço um pouquinho (bem) salgado (R$16,50), é um relançamento com melhor qualidade do que os recentes Chobits ou Yu Yu Hakusho, por exemplo – o primeiro com muitos problemas gráficos no decorrer da coleção, e o segundo com uma qualidade um pouco questionada por ser um dos mangás mais esperados pela editora, principalmente as capas que causam opiniões controversas (apesar de gostar quando estavam mantendo o padrão branco).

Já na tradução e adaptação, algo positivo. A nova versão é totalmente revisada e re-adaptada em relação a primeira edição, o que já rende muitos elogios tendo em vista que a primeira seguia alguns termos muito “estranhos” para manter os moldes do anime exibido no Brasil pelo Animax. Erros gramaticais são relevados aqui, com praticamente nada que incomode – além de alguns erros serem comuns em qualquer tipo de publicação, desde livros a jornais. O letreiramento utiliza fontes interessantes, apesar de em alguns momentos ficarmos um pouco confusos com “quem tá falando isso aqui?”. As onomatopeias também estão muito mais bonitinhas discretas ao invés daquelas gritantes.

Um único ponto estranho nessa versão é que existem algumas diferenças entre as primeiras e últimas edições. Nas primeiras temos notas em praticamente todas as falas em latim, ou referências e até explicações de termos. Algo que gosto e acho muito bom para uma compreensão total da obra. O problema é que nas edições seguintes elas foram abolidas, ou usadas esporadicamente. Até parece que foi outro editor que tomou conta da coleção no decorrer da mesma. Como a JBC não coloca esse tipo de informação, é algo que não posso afirmar. Além disso, não é um erro absurdo e muito menos vital. Não tira a boa qualidade da nova edição nacional. É apenas uma observação que qualquer leitor um pouco mais atencioso acaba pegando.

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COMENTÁRIOS FINAIS

Como o próprio título do post diz, essa talvez seja uma das opiniões mais impopulares sobre Hellsing que você verá por aí. Muita gente ama o mangá e guarda um carinho muito grande pela série. Eu acho exatamente o mesmo sentimento por mangás como Elfen Lied (só que nesse caso nem a arte do autor salva). Provavelmente, eu tenha uma opinião assim com diversos mangás que eu leia de novo um dia, mas realmente fiquei triste em perceber como Hellsing definitivamente não é mais pra mim. A coleção tá aqui, guardadinha, e não vou dizer que foi o maior arrependimento da minha vida. Mas passa longe de ser algo que eu vá ler novamente. Acho que é o caso que, definitivamente, você deve ler e tirar suas próprias conclusões.

Aliás, isso é algo que deve ser feito com qualquer mangá. O Chuva de Nanquim posta resenhas, comentamos em nossas redes sociais (como no meu Twitter) e colocamos as nossas opiniões sobre diversas obras. Mas isso não significa que você deva seguir exatamente o que falamos. Tenha sua própria opinião, discuta (com educação, claro) e forme seu próprio gosto. Muitas pessoas que eu admiro gostam de Hellsing, e isso não as torna piores ou melhores do que eu. Acho que todos podemos conviver com isso.

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Quanto a Kohta Hirano, ele tem uma chance de redenção com Drifters, que parece ainda mais maluco. Mas Hellsing não me deixou com o gostinho bom. É melhor dar um tempo e não pegar nenhum tipo de birra desnecessária pelo cara, né? De qualquer forma, para os que curtiram a edição da JBC vale bastante a pena. Material bom, boa adaptação e um cuidado bem legal com o título. E a coleção tá sempre entrando em promoção na Amazon, portanto não é lá grande problema de conseguir por um bom preço. Se você superar os vampiros nazistas, o resto é fichinha…


FICHA TÉCNICA

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HELLSING
(ヘルシング)
História & Arte: Kohta Hirano
Editora: JBC
Demografia: Seinen (Young King Ours)
Total de volumes: 10 volumes
Preço de capa: R$ 16,50



Pontos Positivos

  • Personagens extremamente carismáticos;
  • Arte única do autor, que condiz com todo o clima do mangá;
  • Se você estiver procurando algo divertido, sem grandes preocupações, provavelmente amará.

Pontos Negativos

  • História sem nexo algum, mesmo que tente se explicar;
  • Decepção com a possibilidade de explorar alguns personagens de forma melhor;
  • Final totalmente sem sentido, que não te explica nada, mas te força a aceitar mesmo assim.

Nota: ★★

Dih

Criador do Chuva de Nanquim. Paulista, 31 anos, editor de mangás e comics no Brasil e fora dele também. Designer gráfico e apaixonado por futebol e NBA.