Review – Abara, de Tsutomu Nihei (Editora Panini)

Entrando no mercado com o autor certo e com a obra errada.

O mercado nacional de mangás ainda vive uma considerável dependência de títulos mainstream como Naruto e One Piece. Isso parece claro para qualquer parte, sejam leitores ou as próprias editoras – mesmo que nenhuma das duas partes queira aceitar isso naturalmente. Mesmo assim, nos deparamos com uma certa parcela de material alternativo ocupando o gosto de um determinado público de nicho. Pensando nisso (ou não), em 2009 a editora Panini trouxe para o Brasil o mangá Abara, obra do aclamado autor Tsutomu Nihei dividida em 2 volumes.

Claro que a chegada do autor era muito esperada pelos fãs do gênero, mas Abara pegou muitos com uma certa “surpresa”. A grande dúvida era qual seria a recepção do público. Não sabemos e não temos acessos a dados do tipo, mas ao vermos que nada mais desse renomado autor chegou aos nossos “lares”, fica difícil dizer que o mangá tenha sido um sucesso. Mesmo assim, Abara ainda está aí, sendo um material de certa forma único no Brasil. Mas afinal, quem é Tsutomu Nihei? Que mangá é esse que passou “despercebido” no Brasil?

A história

Situado em um universo regado de referências cyberpunks e recheado com paisagens desesperadoras de um mundo beirando o caos, Abara gira em torno de monstros cyber genéticos chamados Gaunas. Abara, por sinal significa ao pé da letra “costela”, explicando a origem das formas colossais criaturas que têm o poder de modelar e transformar sua estrutura óssea para seu uso. Nesse mundo, os Gaunas podem ser divididos em 2 grupos: os Brancos – que são a grande ameaça da humanidade – e os pretos, criados por uma organização secreta como forma de combater o perigo de seus “originários”. É nesse grupo de Gaunas Pretos que encontramos Kudou Denji, um guerreiro que esconde através de uma vida falsa e anônima, a sua verdadeira função e lutar contra esse perigo que assola a população. Recheado de ação, sequências de caos e desespero e através da beleza única de Tsutomu Nihei, é hora de conhecer o mundo de Abara e saber quem sairá vivo dessa batalha.

Considerações Técnicas

Novamente é preciso afirmar: Abara é uma obra para poucos. Extremamente undeground e que não tem o poder de conquistar o leitor casual. Isso já é uma margem para saber à quem essa publicação visa atingir – e com certeza a Panini já estava ciente de tal fato. Diferente de Blame e Biomega (obras mais conhecidas de Nihei), esse mangá chegou totalmente desconhecido por grande parte do público consumidor, dificultando muito a propagação do material e consequentemente que ele atingisse a outros leitores. Mesmo assim, em Abara já é possível notar como são todas as obras do autor: recheadas de violência e uma narrativa visual que para muitos não significa “nada”, quando na verdade grande parte das mensagens de suas obras são repassadas ao espectador dessa maneira.

Claro que isso não isenta Abara de nada e muito menos concede créditos à obra. Analisando friamente, temos um desenvolvimento acelerado, que muitas vezes parece se perder mesmo com a pouca quantidade de personagens inseridos na história. Evitando spoilers indesejados, chega a ser confuso tantos personagens aparecendo na vida do protagonista, ou até mesmo os chamados flashbacks, que diferente do convencional não são retratados com os convencionais “fundos pretos”. Como dito anteriormente, não é fácil o entendimento para um consumidor casual.

O grande destaque de Abara fica por conta da sua sequência visual narrativa. As batalhas e as passagens que a história percorre são extremamente “pesadas”, com traços bem diferentes do que estamos acostumados na “normalidade” de um shounen qualquer. Além disso, as cenas são recheadas de visceralidade, com muitos “órgãos” a mostra e cenas de decapitação sem nenhum tipo de dó. Ao mesmo tempo que isso é um atrativo, também pode afastar parte do público – que alega que tudo é muito confuso. Diria que Nihei, no geral, tem um dote artístico muito grande, que talvez seja mais admirado pelos interessados no tema (arte) em geral do que em mangás propriamente ditos. Talvez pensando nisso que suas obras tem uma capacidade de atingir um leitor-alvo diferente e podemos até dizer mais “refinado”.

Porém Nihei é único e toda a sua beleza narrativa faz compensar obra publicada na revista Ultra Jump em 2006. Um título curto tem o poder de apresentar um universo maravilhoso e sombrio que só ele consegue fazer, e que já é de conhecimento daqueles que já tinham noção de suas obras mais famosas. Aliás, não é a toa que o autor chegou até mesmo a ser “convocado” para ilustrar trabalhos mundialmente famosos, como o HQ da Marvel “Wolverine SNIKT!”. Abara serve como um verdadeiro “artbook” para aqueles que desejam visualizar um pouco mais do trabalho de Nihei. Mesmo que não seja o título mais requisitado do mesmo, qualquer obra vinda dele é bem vinda.

Comentários Gerais

Afinal, comprar ou não comprar Abara? Sinceramente, mesmo sendo de Nihei, um dos mangakás que mais admiro, esse não é um mangá que eu conseguiria recomendar para qualquer um. Como disse anteriormente, mesmo sendo um título que pode ser guardado na estante como um “artbook”, acredito que isso não seja dos motivos mais atraentes que busca o público nacional no momento. Porém como ponto positivo podemos dizer que apenas seus dois volumes compensam o investimento. É curtinho e dependendo de quem estejamos falando, não vai pesar tanto no seu bolso.

Fica a lamentação pelo fato de que desde o término da publicação de Abara, nada mais do autor tenha chegado por aqui. Como mencionei anteriormente, talvez Blame ou Biomega fossem títulos mais fortes para entrarem aqui na atual situação do mercado, que vem se estabilizando (ou tentando) aos poucos e que já possuem um público maior para tal gênero. Porém aqui fica a crítica maior: o fato das editoras não darem um parecer para o público, por menor que seja, não nos possibilita dizer nada mais do que “achismos”. Tirando uma ou outra informação, não sabemos “o que dá certo” ou não.

Espero que Nihei tenha outra chance por essas bandas. Apesar de ser direcionado para leitores que diferem de mangás como os já citados Naruto ou One Piece, é importante que obras diferenciadas possam chegar ao nosso alcance de maneira legal. Um incentivo de marketing, um trabalho de publicidade maior e um plano de vendas deve ser viabilizado para todos os títulos, e não somente para os mais populares. Por enquanto só nos resta torcer, para que Abara não tenha sido nossa última experiência, e que não tenhamos nos despedidos desse grande mangaká no mercado nacional.

por Dih

Dih

Criador do Chuva de Nanquim. Paulista, 31 anos, editor de mangás e comics no Brasil e fora dele também. Designer gráfico e apaixonado por futebol e NBA.