Review – Os sentimentos que você pode ouvir em ‘Hidamari ga Kikoeru’

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Um mangá com a representação que precisamos.

Recentemente muitos mangás ganharam adaptações em filmes live action. Ano passado foi o ano dos quadrinhos pararem nos cinemas japoneses e, neste ano, essa força recebeu ainda mais intensidade. Me sinto mal. Me sinto mal por só ter conhecido Hidamari ga Kikoeru agora, com o anúncio de que ele está recebendo um filme que estreia em 2017. Achei que seria apenas uma história genérica, mas o choque veio quando li a sinopse: se tratava de uma personagem (quase) surdo. E o resto? O resto eu desabafo nessa resenha.

Hidamari ga Kikoeru

A HISTÓRIA

O mangá gira em torno de Kouhei, um universitário que acaba se distanciando dos outros inconscientemente por causa de sua surdez que gera um mal-entendido após o outro. Um dia, seu colega de classe, Taiichi, tropeça nele e nota seu delicioso bento. Somente mais tarde que Taiichi descobre sobre a surdez de Kouhei e diz: “Não é sua culpa por não conseguir ouvir!”. Essas palavras salvam Kouhei, que começa a mudar. Taiichi e Kouhei começam uma relação que é mais que amizade, mas que também não é amor.

DETALHES TÉCNICOS

Hidamari ga Kikoeru é o primeiro trabalho da autora Fumino Yuki. O mangá shounen-ai começou a ser publicado na revista Canna, da editora Printemps Shuppan, em 2013, finalizando o primeiro volume em 2014.  O volume dois, intitulado como Hidamari ga Kikoeru – Koufuku hen, foi lançado em maio de 2016. A série ainda conta com um drama CD lançado no Japão em fevereiro de 2012.

Meu maior receio quando temas do tipo vêm a tona, é de que sejam tratados de forma superficial ou distante da realidade. E se alguém me perguntasse se acredito que as pessoas que sofrem de problemas de audição também passam pelas mesmas situações do protagonista, provavelmente não saberia afirmar com certeza, mas… A autora torna tudo muito humano. Não sei como é não poder ouvir, afinal de contas, tenho o que os outros consideram um “corpo perfeito“, mas sei como é estar no papel de uma pessoa ignorante e não saber agir nas mais diversas situações que a vida traz. Não me orgulho disso, porém, em muitos aspectos minha reação não seria tão diferente dos personagens que falavam absurdamente alto, ou estupidamente pausado, para Kouhei poder entender. Esse tipo de reação é, infelizmente, comum. Nesse sentido, Hidamari ga Kikoeru retrata a verdade nua e crua.

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Raramente leio um mangá com tão poucos volumes. Me incomoda porque mesmo lendo com tão baixas expectativas, a finalização parece incompleta. Sempre deixam um buraco sem tampar. Mas aqui encontramos uma rara e boa exceção, onde a autora escolhe publicar dois volumes com o intuito de retratar as duas etapas mais importantes para o desenvolvimento do protagonista. O primeiro volume se concentra em uma “fase obscura“, onde a aceitação está fora de cogitação e se isolar é o melhor caminho a seguir. O segundo volume é quando os primeiros passos do protagonista finalmente são dados, mas nesse a autora resolve evoluir: Fumino Yuki acrescenta uma personagem que tem o mesmo problema de Kouhei e ela é aquela que mostra o verdadeiro contraste dos “dois mundos” em que o protagonista está inserido. Ela é um dos tópicos chave para a decisão final de Kouhei, se ele prefere se acomodar com o que já tem ou prefere arriscar com um universo desconhecido.

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Na história, a autora cria dois protagonistas com personalidades totalmente opostas. Enquanto de um lado temos Kouhei, o garoto antissocial, soturno e que encontra dificuldades em expor seus verdadeiros pensamentos devido a sua surdez, do outro lado temos Taiichi, que facilmente se comunica com as pessoas, um garoto estressado que age por impulso e que se encontra perdido na vida. Apesar de já ter visto isso mil vezes, o clichê aqui funciona com o propósito de fazer com que os personagens evoluam e aprendam um com o outro. O grande destaque aqui vai para Taiichi que toma uma decisão real para seu futuro graças ao seu convívio com Kouhei.

Confesso que me decepcionei um pouco com o traço da autora. Antes de começar a leitura havia me deparado com ilustrações a cor que Fumino Yuki tinha feito para as capas dos mangás e de algumas edições da revista Canna, e estava esperando algo realmente a altura. Acontece que o traço do primeiro volume é um pouco… estranho. Não é feio, mas o modo como ela desenhava o rosto de Kouhei era um tanto quanto bizarro (que pode ser conferido na imagem abaixo), por sorte, o traço da autora progride e muito com a publicação de sua sequência. Considerando a série como um todo, poderia descrever o traço dela como limpo, suave e delicado – além de ser maravilhosa desenhando roupas para os personagens, sos.

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Fiquei impressionada com a sensibilidade que a obra carrega mesmo tendo uma narrativa tão sutil. Se você me acompanha aqui no ChuNan, talvez já tenha visto se sou a louca das webcomics, e em uma dessas minhas aventuras me deparei com uma história chamada Can’t See Can’t Hear But Love, onde o plot principal é sobre um casal em que o homem é cego e a mulher é surda. A história é realmente linda, mas me sentia muita angustiada ao ler, para mim, a narrativa era mais pesada do que podia suportar. Acontece que, com Hidamari ga Kikoeru, isso não acontece. O protagonista tem todo um drama pessoal porém ele passa toda suas dificuldades para o leitor sem ter que acabar com a estabilidade emocional do mesmo.

Mesmo possuindo uma narrativa tão leve, as problemáticas que o mangá traz não são. O que faria se, após um longo período de tempo, encontrasse um amigo que ficou surdo? Usaria libras se soubesse? Se comunicaria através de escritas no papel? Gritaria até ele conseguir ouvir? Ou simplesmente o ignoraria? A autora joga essas e outras questões na cara do leitor, o fazendo refletir sobre suas ações mesmo não tendo passado por tal situação – afinal de contas, quem nunca teve uma reação estúpida na frente de alguém “diferente”? Além de propor reflexões do gênero, ela também faz o contrário. Em determinado momento da trama, a personagem surda que aparece posteriormente rebaixa um colega só por ele não ter o mesmo problema que ela. Taiichi, no entanto, retruca dizendo: “Só por que uma pessoa aparenta ser assim você acha que ela não tem os próprios problemas?“. Fumino Yuki, definitivamente, faz o leitor estar na pele dos personagens, não importa se ele é o principal ou apenas um figurante; a autora mostra os dois lados da moeda com excelência.

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COMENTÁRIOS GERAIS

Sinceramente, torço e apoio a vinda desse título para o Brasil. Parece que quando se houve falar em mangás com temáticas homossexuais, as pessoas diretamente associam obras com “Boku no Pico“, como se esse tipo de história realmente representasse a comunidade gay. A trama tem algo a mostrar, tem uma moral a ser passada e mesmo com todo o preconceito existente, ele tem um ótimo romance que nada tem a ver com tantos títulos que se destacaram graças ao mero fanservice forçado. Hidamari ga Kikoeru é exatamente o tipo mangá que se indica para qualquer um. Qualquer um mesmo! (Claro, contanto que não haja o pré-julgamento escroto.)

No começo do texto, disse que me considerava uma pessoa ignorante. De fato, eu sou. Ignorante no sentido de não ter o conhecimento suficiente das mais diversas situações, não no sentido popular – que seria agir em má fé. Tenho 18 anos e nunca cruzei com uma pessoa surda em que pudesse conversar, mas isso não significa que não acontecerá. Tem certas coisas que só aprendemos sendo ignorantes, até que alguém finalmente bate a nossa porta para perceber como pensamos pequeno. Não quero ser assim para o resto da vida. Não sei a lista de ações “politicamente incorretas” de cor, nem quero, e mesmo que essa resenha seja só sobre algo fictício, sinto que pude avaliar melhor minhas atitudes. Leituras assim valem a pena, é por isso que se torna mais do que simplesmente recomendável, se torna obrigatório. No final das contas, ser ignorante é uma opção.

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