Review – ‘Fragmentos do Horror’: apenas uma pequena dose de Junji Ito

Nem o melhor, nem o pior do mestre do horror.

Quando a editora Darkside anunciou que publicaria quadrinhos no segundo semestre de 2017, inclusive mangás, a felicidade do público foi longe. Finalmente uma editora que traria para o Brasil títulos de horror clássicos e em uma qualidade estonteante, como todos os materiais da “Caveira”, como foi carinhosamente apelidada pelos fãs devido ao seu material literário voltado para o público fã de obras de terror.

Desde a Conrad, não tínhamos nada realmente forte no gênero no país. Uzumaki, Panorama do Inferno, Ero-Guro e outras obras do horror que já eram considerados underground mesmo na época de sua publicação. Foi o suficiente para conquistar muitos fãs para tais obras e autores. Agora, aqueles que nunca tiveram contato com esse tipo de obra podem aproveitar a Darkside para saciarem suas curiosidades. Muita coisa boa deve vir por aí.

COMENTÁRIOS GERAIS

De autoria de Junji ItoFragmentos do Horror, ou no original Ma no Kakera, foi publicado no Japão na revista Nemuki , da Asahi Shinbunsha, entre abril de 2013 e abril de 2014. O josei possui apenas um volumes de 8 capítulos, sendo que um deles foi publicado na revista Shinkan. Os 8 capítulos são na verdade uma coletânea de contos de terror. Esse é um dos motivos desta resenha não contar com a costumeira parte em que falamos da história da mesma.

Pra começar, não vamos falar em detalhes de cada uma das histórias, afinal, elas são tão curtinhas que vocês provavelmente teriam um spoiler involuntário da nossa parte. O que vale dizer é algo bem simples e direto: Fragmentos do Horror passa longe de ser uma obra de destaque de Junji Ito. Lançado muito tempo depois dos grandes clássicos do autor, como TomieUzumakiGyoHellstar Lemina, a série mostra um Junji Ito um tanto quanto enferrujado em relação ao que ele já entregou. O que em nenhum momento quer dizer que seja ruim, mas para quem o conhece acaba deixando um pouco a desejar. Em comparação, vemos um amadurecimento natural do autor em relação ao seu traço, a forma como suas personagens são apresentadas e também ao que chamamos de “moral da história”. As oito one-shots que estão no encadernado apresentam alguma coisa do tipo.

Mesmo assim, com todos os pequenos percalços, o mangá ainda é acima da média. Se você tem medo de descobrir do que tem medo, qualquer obra de Ito é uma caixinha de surpresas. E aqui não é diferente. Ele te apresenta visões sobre alguns casos “bobos”, mas que no fundo te fazem pensar: “E se isso realmente acontecesse? Não parece tão absurdo assim…”. Em uma das histórias em específico, a minha favorita da coletânea, “A mulher que sussurra”, Ito mostra a influência de uma pessoa na vida de outra, se aproveitando de sua fraqueza e ao mesmo tempo despertando uma força até então latente. É sensacional. Percebe-se que com o passar das histórias, o mangá vai tomando mais forma, e apesar de serem histórias independentes, você consegue ver claramente o autor se desenvolvendo novamente.

Mas se existe algo que precisamos ressaltar, é que Ito sabe te prender. Por mais que você tenha alguma ressalva, o mangá flui muito. A leitura se torna muito rápida e você não tem vontade alguma de parar na metade da edição. “Só mais um capítulo”, é o que você pensa. E quando menos espera, já terminou de ler tudo. É incrível. O domínio de narrativa e enquadramento do autor é de se espantar. Ser chamado de mestre, acredite, não é nenhum exagero.

EDIÇÃO NACIONAL

A Darkside cumpriu todas as expectativas. Se você compra os livros da editora, já sabe o que isso significa.

De longe, a edição nacional de um mangá mais caprichada que já vimos por aqui. E nem é só por ser capa dura, mas pela qualidade da mesma. A textura nas capas (que infelizmente é impossível de ser mostrada nas fotos abaixo), o cuidado na impressão, a costura que nos permite abrir o mangá sem medo algum, o papel, tudo. O material físico é daqueles pra deixar gringo com inveja, sem dúvidas. A obra é um dos primeiros mangás impresso no Rio de Janeiro, se vale de curiosidade – lembrando que a editora tem sua sede no estado carioca.

Na tradução, Akemi Ono (que ainda não sei se trata-se de um pseudônimo) adapta muito bem todos os termos em conjunto com a equipe editorial. A escolha dos títulos ficou excelente, e todos traduzem perfeitamente os mesmos sentidos originais. Além disso, o cuidado torna a leitura fluída e de fácil entendimento, até mesmo para aqueles que não estão familiarizados com mangás. Se você também tem receio pelos erros de português, fique tranquilo. São mínimos. O maior erro está na página do editorial – que provavelmente foi apenas uma pane de fonte na gráfica.

Agora… quanto a diagramação tenho minhas ressalvas. Apesar de gostar muito do uso de uma fonte padrão em toda a obra, sem o famoso carnaval que eu sempre digo, a editora poderia ter explorado mais uma ou duas variações em cenas com os monstros ou criaturas demoníacas que surgem no volume. Nada que esteja errado, mas que poderia ter dado um charme estético maior. Outra coisa que me irritou profundamente: as onomatopeias. Enquanto estamos acostumados com a Panini e a JBC tratando as “legendas de onos” com um tamanho menor, a Darkside optou por onomatopeias enormes, praticamente competindo com a ilustração original! A poluição visual é enorme, e em alguns casos fica até difícil encontrar o original na imagem. Cara Darkside: ou um, ou outro. Por se tratar de um primeiro projeto, esperasse que as coisas sejam acertadas com o tempo nos próximos lançamentos da editora.

No geral, apesar do preço de R$54,90 (que é facilmente encontrado mais barato nas lojas on-line) é super compatível e válido. Se pegarmos como comparação o kanzenban de Saint Seiya, o mais próximo que temos do mesmo material no momento, veremos que o quadrinho da Darkside sai ainda mais barato e com uma qualidade ainda mais incrível. Veremos se os próximos lançamentos seguirão o mesmo padrão, já que tudo pode variar quanto ao acabamento escolhido, contratos e muitos outros poréns que podem se envolver nisso. Por enquanto, aproveitamos.

IMAGENS DA EDIÇÃO

Clique nas imagens para conferir alguns detalhes da edição brasileira do mangá. Agradecemos a editora Darkside por ter nos enviado um exemplar da obra para esta resenha.

CONCLUINDO

Definitivamente não posso recomendar Junji Ito para todos, mas para aqueles que sentem atração pelo horror e sobrenatural, sem dúvidas seria o primeiro quadrinista que surgiria na lista. Apesar de alguns o considerarem o famoso “overrated”, Junji Ito consegue atiçar medos que você simplesmente não sabe que tem – conheço muitos que passaram a ter medo de espirais depois de Uzumaki – e são praticamente fábulas modernas, como os originas contos de fadas dos irmãos Grimm, que passam longe de ser fofos ou bonitinhos como nos filmes da Disney.

Mantenho minha opinião de que Fragmentos do Horror possa não ter sido a melhor escolha inicial da Darkside. Apesar de bons contos, do traço incrível e do acabamento digno de melhor mangá lançado no país, o mangá peca em apresentar o real potencial de Ito e pode até mesmo afastar novos leitores que o taxem de “bobo”. Talvez o fator fidelidade que a editora tenha com seus leitores seja um ponto a ser levado em consideração, por isso não levem minha opinião como uma máxima.

Além disso, por já conhecer o mestre, a leitura da HQ foi ainda mais prazerosa ao ver a sua evolução como artista. Seus próprios medos, cultos, dúvidas. É um material digno de se manter na coleção, e que esperamos ser uma porta de entrada para vermos mais obras dele e de outros mangakás de terror pela editora mais horripilante do mercado.


FRAGMENTOS DO HORROR

Autores: Junji Ito
Editora: Darkside; Preço: R$54,90
Total de volumes: Volume único
Lançamento

Dih

Criador do Chuva de Nanquim. Paulista, 31 anos, editor de mangás e comics no Brasil e fora dele também. Designer gráfico e apaixonado por futebol e NBA.