Comentando – Primeiras Impressões: Zetsuen no Tempest #01 e #02

Uma história sobre magia e vingança.

Ainda no primeiro ato da peça shakespeariana Hamlet, o príncipe da Dinamarca se comunica com o fantasma de seu pai que o pede para Hamlet que vingue sua morte e retome o trono que lhe é de direito; trono que foi assumido pelo tio do príncipe casado com a rainha, mãe de Hamlet. O fantasma exige que Hamlet jure que irá cumprir sua promessa e, nesse momento, ele afirma:

 “[…]E tudo o que um pobre homem como Hamlet possa fazer, no empenho de agradar-vos, não faltará, querendo-o Deus. E vamo-nos. Peço silêncio; os dedos sobre os lábios. Dos gonzos saiu o tempo. Ó, maldição! Ter vindo ao mundo para endireitá-lo!

Nesse momento Hamlet se compromete com uma vingança, indo ao limiar da loucura para completá-la. É uma peça trágica que conta uma história sobre vingança e é citada diversas vezes em Zetsuen no Tempest, anime produzido pelo estúdio estúdio Bones e baseado no mangá homônimo de Shirodaira Kyou (história) e Aizaki Ren (arte). Em um primeiro contato eu imaginei que essas referências poderia se tratar de um traje cult utilizado em um anime shounen comum.

Apesar disso não ser totalmente mentira, Zetsuen no Tempest abordou de forma melancólica a sede de vingança em seu primeiro episódio e mostrou que, para ser levado a sério, pretende ir fundo nessa proposta melodramática. A série se utilizou de um fator sobrenatural e de personagens que se usam desse poder para alcançar objetivos e constrói um drama com um forte cheiro de tragédia.

A série me lembrou de Guilty Crown em vários pontos, o que me deixa com uma pulga irritante por detrás da orelha. Eu não espero que a série perca a coerência e se torne um belo anime vazio ( a gente nunca espera, né?), mas a vida é uma caixinha de surpresas, nem sempre agradáveis.

Zetsuen no Tempest #01 e #02

A Feiticeira no barril – Ele disse que ela era muito bela

O anime narra a história dos amigos Mahiro Fuwa e Yoshino Takigawa, delinquentes do colégio que tem suas vidas abaladas com o assassinato da irmã de Mahiro, Aika Fuwa. Como o assassino de sua irmã não foi encontrado, Mahiro parte em uma jornada para vingá-la e desaparece. Após um mês do desaparecimento de Mahiro, Yoshino o encontra enquanto visita o túmulo de Aika de forma bem surreal. Após ser interrogado por Fraulein Yamamoto sobre o desaparecimento do amigo e sua participação (ou influência) em estranhos acontecimentos que são abafados pelo governo japonês, Mahiro surge com poderes mágicos concebidos pela feiticeira Hakaze Kusaribe.

A Hakaze (interpretada pela maravilhosa Miyuki Sawashiro) é o vínculo sobrenatural da história e ainda funciona como alívio cômico devido a sua personalidade forte. Eu adorei a personagem. Ela tem atitude e não se deixou render à armadilha de Samon Kusaribe, que usurpou dela o poder e tenta reviver a Árvore de Zetsuen visando aumentar o poder de sua família ou clã mágico. Essa invocação leva aos seres humanos uma maldição conhecida como lost Christmas “doença do ferro” e, quando completada, pode levar à destruição do mundo. MUAHAHAHAHA.

Mahiro recebe os poderes de Hakaze para ajudá-la a impedir os planos de Samon. Mas há dois lados de uma mesma moeda e, em troca do apoio, Hakaze deve ajudar Mahiro a encontrar o assassino de Aika. Nesse ponto que o mistério se torna mais denso. Aika e Yoshino possuíam um relacionamento amoroso escondido do irmão mais velho da moça, e Yoshino não apresenta uma completa sanidade quando o amigo cita o fato dele estar namorando, quando na verdade a namorada está morta e enterrada. As caras e olhares que Yoshino faz quando o assunto tem um leve grau de insanidade que lança uma sombra sobre a misteriosa morte de Aiko. Aí tem coisa.

Na transição do primeiro para o segundo episódio destaco a linearidade que a narrativa manteve, mesmo utilizando de flash backs no primeiro episódio que pode torná-lo levemente confuso. Temos até o uso de alguns simbolismos envolvendo as borboletas, que são o símbolo da metamorfose, da mudança interior.

A história avançou em diversos pontos e ainda explorou de forma sutil o relacionamento entre Mahiro e Yoshino e como a morte de Aika abalou a vida dos dois. O primeiro episódio foi uma apresentação limpa e sólida, o segundo manteve a solidez e partiu também para uma ação focada na magia.

O anime possui uma OST orquestral, composta por Mahiru Oshima. Ela trabalha com um objetivo tão melodramático, que ao juntar com as citações de Hamlet o tom de dramalhão surge. A melodia utilizada influi muito no tom mais clássico atribuído à cena, se torna mais visível a inspiração em uma obra clássica da dramaturgia inglesa e ainda torna as cenas de batalha mais impressionantes. Só que em alguns momentos do segundo episódio eu me peguei pensando: “não é para tanto”. Nesses momentos que o feeling dramático que o anime propõe se torna muito alto para a cena em si. Não chegou a ser forçado, a intenção é entendível.

O anime abre espaço para o lado battle shounen apresentado no mangá, mas sem largar a intenção inicial da equipe: história fantástica, misteriosa e dramática pra caramba. Ah, e a abertura me agradou demais! Tem aquela batida de rock mais animada e instigante, que apesar de simples, destoa da OST da série. Até o encerramento, cantada pela Hanazawa Kana, segue essa premissa só que usando uma proposta mais romântica.

Um ponto que bato palmas para o Bones é na animação. O anime explora diversas cores, não se prendendo aos tons mais frios como em Psycho-Pass e [K]. Temos vitrais coloridos, pétalas de flores voando enquanto Shakespeare é citado, cenários ora vivos utilizando de tons avermelhados e ora sombrios com mais escalas de cinza. A animação é cuidadosa, até o 3DGC ficou agradável. O character design da Ren Saisaki ficou até bonito animado, apesar de que quando vi no mangá notei que se perdeu um pouco do traço dela, que é belíssimo (sempre se perde, né…). As cenas de ação foram agradáveis, utilizando do teletransporte nas coreografias que ajuda e muito para facilitar a animação. A fundo musical orquestral recorrente nas lutas é característico em todas as lutas, junto com as  declamações de Hamlet.

Eu volto sempre nesse ponto não porque isso me incomoda completamente, eu gosto da obra de Hamlet e encaixa perfeitamente com a proposta do anime. Antes de ser um anime sobre magia e superpoderes, Zetsuen no Tempest é um anime sobre vingança. Mahiro e Hakaze são ligados não só pela magia, mas também pela sede que eles têm de se vingar por aquilo que perderam. O que me deixa incomodada é em que ponto isso é meramente ilustrativo e em que ponto isso é relevante.

Animes hipnóticos estão por aí, fazendo sucesso ou não. Aquele fachada pseudo-cult que todos adoram condenar e que às vezes nem é notada quando se assiste. Eu poderia fazer uma lista de belos animes vazios, com roteiros rasos e que se perdem em loucuras criadas em momentos de desespero da equipe (teoria minha), mas que no início o hype era tão grande que sufocava. Zetsuen no Tempest pode andar nessa linha bamba no início até se firmar com um bom anime bem adaptado e, bem, está no time de animes não tão lembrados pela maioria.

Por incrível que pareça, a Mari Okada está fazendo algumas boas escolhas na construção do roteiro, apesar de uma ou outra forçada de barra que em alguns momentos não convence completamente. A direção do Masahiro Ando é sólida, firme. Eles se utilizam bastante de flash backs até então bem colocados que lentamente devem preencher as lacunas da história até a resolução do mistério de Aika. O negócio é que a possibilidade da dupla se perder no melodrama está aí firme e forte. Pelo menos o histórico da Okada Mari envolvendo o estúdio Bones não é tão negativo, eu sempre lembro de Gosick e de como ele foi razoavelmente bom sem necessitar do apelo extremamente dramático da roteirista.

Mas Zetsuen no Tempest não escapa disso, essa não é uma possibilidade. Ele tem melodrama, mas ao mesmo tempo tem boas lutas, uma animação bonita e uma história original interessante. O tipo de anime que não me arrependo de estar assistindo, mas que pode ser condenado na adaptação e se tornar maçante. É o sentimento de estar gostando, mas ainda estar com um pé atrás.

É uma questão de balancear os momentos de tom melancólico, de combate e de alívio cômico. Nesses dois primeiros episódios o resultado é do meu agrado e, se seguir nessa linha, Zetsuen no Tempest pode se tornar uma boa surpresa entre tantos animes bons dessa temporada e que seguem uma proposta semelhante.

Por Laris.

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