O mestre mandou… Você obedecerá?
Em 2013 a editora JBC apostou em um gênero até então “adormecido” entre os mangás no Brasil. O chamado “survival” em que um grupo de pessoas luta para literalmente sobreviverem a algo, acabou se tornando um queridinho entre o público. Provavelmente porque mangás desse tipo conseguem atrair pessoas de todas as idades. Jovens buscando um tema mais maduro, jovens em busca de uma história com um pouco mais de “suspense”, adultos querendo conhecer obras pequenas ou mesmo curiosos que gostam de thrillers psicológicos. Vimos isso em mangás como Diário do Futuro, Another, O Senhor dos Espinhos ou mesmo em materiais mais antigos como Battle Royale.
Eis então que surge em nossas bancas o mangá Ousama Game, ganhando no Brasil a tradução para Jogo do Rei, nome chamativo para o público casual e que com certeza atiça a curiosidade da pessoa ao vê-lo na banca de jornal – isso somado aos tons “misteriosos” das capas das edições. Com um tema que lembra muito a antiga brincadeira infantil de “Seu mestre mandou…”, o Jogo do Rei aposta novamente em um grupo de jovens envolvidos em um mistério que precisa ser resolvido para que o mais importante possa ser preservado: suas vidas.
Porém o que o mangá tem de diferente e o que poderia fazer alguém que já leu tantos mangás desse gênero no ano se interessar pela obra? É isso que você descobre, ou não, nos próximos parágrafos dessa resenha. Seu mestre mandou a leitura continuar…
A História
Nobuaki Kanazawa é um garoto estudante como qualquer outro. Tem amigos de vários tipos em sua sala, o 1º B, inclusive sua namorada Chiemi Honda. Tudo parece estar normal em sua vida até que uma mensagem em seu celular pode mudar tudo. Um dia todos os alunos da sala recebem um SMS dizendo para que eles façam um “desafio”. No começo tudo parecia uma grande brincadeira e os estudantes acabaram topando pela diversão, mesmo que em alguns casos repugnantes. Porém quando o jogo começa a passar dos limites, decidem parar com aquela situação incomoda e esquecer tudo que aconteceu. Mas um inconveniente não parece deixar que eles tomem essa decisão…
Os jovens começam a ser obrigados a seguir as ordens de alguém que se intitula o “Rei” ou do caso contrário pagarão as consequências com suas próprias vidas. Para isso são colocados em situações constrangedoras com seus amigos sendo obrigados a participarem de atos que expõe seu íntimo ou mesmo sua vida sexual. O medo toma conta dos estudantes que são colocados a prova em um mistério: quem está por trás de tudo isso? Como parar? O Jogo do Rei está prestes a começar e as mais estranhas ordens serão punidas com os mais severos castigos.
Considerações Técnicas
Jogo do Rei (Ousama Game / 王様ゲーム) é um mangá de 5 volumes lançado na revista Manga Action da editora Futabasha (a mesma do mangá Old Boy) e que teve seu lançamento no ano de 2010. A série é uma adaptação de uma famosa novel para aparelhos celulares (uma moda muito comum no Japão) que já ganhou inclusive adaptações em live action em seu país de origem. O roteiro segue com o autor original, Kanazawa Nobuaki, e a arte de Renda Hitori – que posteriormente se mudaria para a editora Shueisha onde ilustra uma série na revista Jump Kai.
Falar de Jogo do Rei sem mencionar o traço do mangá como primeiro ponto chega a ser impossível. Provavelmente será a sua primeira identificação com a série. Isso porque o traço de Renda Hitori é 90% idêntico ao de Takeshi Obata (Death Note, Hikaru no Go, Bakuman). Em diversos momentos da história você se pega imaginando na leitura de uma página de Bakuman tamanha a semelhança com o prestigiado autor. Personagens como Miho, Takagi e outros do mangá da Jump parecem ter sido transportados para a obra, isso sem falar no enquadramento das cenas que lembra muito a disposição da outra. A semelhança é tanta que existem diversos boatos pela internet sobre a identidade do mangaká. O primeiro (e mais absurdo) é que ele seria o próprio Takeshi Obata com um pseudônimo, algo que não seria a primeira vez que ele faz na carreira. O segundo é que Hitori é na verdade um ex-assistente de Obata e acabou adquirindo a semelhança do traço de seu mentor, algo muito mais comum e aceitável. Obviamente isso não seria um motivo para largar de mão o mangá, mas você de fato tem um baque forte com a semelhança (principalmente se você compra o mangá pela imagem de destaque e espera traços semelhantes ao da capa).
Mas deixando o traço de lado por um momento, vamos para o que interessa: a história. O Jogo do Rei nem de longe apresenta uma grande profundidade psicológica ou suspenses mirabolantes em sua trama. A ideia base chega até a ser simples: explorar os medos e as aventuras da adolescência dos jovens (que no caso tem uma ambientação japonesa mas sem a dose de conservadorismo que conhecemos da sociedade nipônica). Sexo, beijos ou fofocas entre os amigos são utilizados como elementos chave para a evolução do tema no primeiro volume do mangá. O que você faria se tivesse que ter relações sexuais para se salvar? E beijar alguém que não gosta? A partir do momento que os personagens descobrem que o jogo é “real” e que eles precisam obedecer ordens desse tipo a história começa a girar em cima das decisões desses garotos e de suas amizades.
Até aí, tudo bem. O ponto é que o primeiro volume basicamente se resume a isso: medos adolescentes. Quando as mortes começam a acontecer, em especial a da jovem que se suicida sem necessidade, você espera que o mangá mude o foco para uma trama que comece a se desenvolver. Porém isso não acontece. O primeiro volume continua e acaba em clímax com o mesmo ponto em comum: sexo. Em algum momento da leitura você acaba até encarando isso como um “fanservice” para o leitor e localiza um público alvo para tal história. Diferente de outros mangás desse gênero que tivemos por aqui (o próprio O Senhor dos Espinhos, por exemplo), Jogo do Rei apresenta um tema muito mais convidativo para jovens que buscam se divertir em algo “diferente”. Para uma pessoa que procura uma profundidade maior ou algo que se desenvolva com mais afinco, o mangá acaba se tornando bobo e até mesmo repetitivo em seu primeiro volume. Para uma obra de apenas 5 volumes você acaba criando uma certa expectativa de um ritmo maior, de uma evolução natural do autor, o que não ocorre.
Apesar de ser publicado em uma revista seinen (para um público mais adulto) ao se deparar com Jogo do Rei e olhando de um ponto de vista mais “maduro” a impressão que temos é de um mangá “passável”. Porém dentro de uma situação do público a obra tem seu valor. Realçar as escolhas e decisões que são feitas nessa fase da juventude e como encarar temas sexuais e de relacionamentos é uma forma de atrair a leitura e prender para a continuidade da história. E é isso que o mangá se propõe nesse primeiro momento: relacionamentos, a idade escolar e um toque de suspense e terror – que aqui vale destacar a boa capacidade do autor em deixar as cenas mais “fortes” com traços muito eficientes e convidativos. A ideia de utilizar um game e um aparelho muito comum e presente na vida dos jovens também é um ponto interessante para a obra, afinal você a situa em um tempo em que os leitores podem se identificar até certo ponto.
Comentários Finais
Como dito no começo do texto obras com um gênero que valorize a sobrevivência e que traga a tona emoções e conflitos psicológicos e físicos estão em alta no mundo todo. Não apenas nos mangás, mas no mundo literária com obras como Jogos Vorazes, Divergente e outros. O perigo, a ação, e a forma como o tema é apresentado para o público acaba sendo um fidelizador para as editoras que trabalham com esse tipo de material. No caso de Jogo do Rei temos no entanto uma característica própria. O mangá estabelece um tema que passa longe de ser uma unanimidade e que deixa de abocanhar um público maior para se dedicar a um foco: adolescentes. Se para mim ou para alguns outros leitores a história é fraca e repetitiva (além de certas reações clichês e forçadas em alguns personagens), para alguns o tema em questão pode ser muito interessante e contextualizado. Julgar entre bom ou ruim é subjetivo de quem está lendo o mangá em questão.
Jogo do Rei conta com uma adaptação da editora JBC que não compromete a fluidez da leitura, um traço caprichado apesar dos pontos ditos acima, e com uma trama que deve parecer “mais do mesmo” para alguns e que deve apreender muito mais a “molecada”. Sem um roteiro muito elaborado e apelando para um pouco de fanservice visual nas cenas de horror, o mangá pode ser uma pedida interessante se você possui entre 15 e 20 anos. Para os que leram o primeiro volume e buscam uma experiência mais “forte” como Battle Royale, recomendo que busque outros mangás do gênero, que é realmente amplo.
Ficha Técnica
Título: Jogo do Rei (Ousama Game / 王様ゲーム)
Autores: Nobuaki Kanazawa (História) e Hitori Renda (Arte)
Editora: JBC
Total de Volumes: 5
Valor: R$11,90
ISBN: 978-85-7787-774-4
Pontos Positivos
- Traço convidativo e bom enquadramento;
- História simples, ideal para quem busca algo sem muito comprometimento e mais para a diversão;
- Você acaba ficando curioso para descobrir quem é a pessoa por trás das mensagens de celular.
Pontos Negativos
- Repetitivo em certo ponto. O tema não evolui como se espera para uma história de poucos volumes;
- A grande semelhança com o traço de um autor consagrado pode ser um inconveniente para alguns;
- Personagens clichês e reações forçadas não ajudam o desenvolvimento.
Nota Volume 1: ★★★✩✩