Nova coluna! Novos ares!
Faz muito tempo que fui de encontro aos animes e mangás. Queria escapar da monotonia que sentia com os quadrinhos e animações do ocidente já que todas pareciam iguais e com a ideia de apelar para um público mais infantil, sempre com histórias mais simples e básicas. A intenção sempre era conseguir a maior quantidade de dinheiro com bonequinhos e produtos comercializados. Porém, hoje estou fazendo o caminho contrário. As obras do oriente parecem estar martelando cada vez mais os mesmos temas que eles sabem que vão conseguir vender mais produtos (joguinhos, bonecos, roupas, acessórios, qualquer coisa) e poucas coisas originais estão realmente sendo valorizadas, me deixando cada vez mais enjoado e sem vontade de ver ou ler um novo anime ou mangá.
No final do ano passado um editorial do Dih foi lançado. Nele foi comentado sobre a vontade que ele tinha de falar sobre outras formas de entretenimento e expandir as barreiras que nós nos colocamos ao falar apenas do que os japoneses podem nos dar. Muitos criticaram, muitos apoiaram, e essa pequena ideia foi amadurecendo na minha cabeça. Nesse meio tempo eu pensei: Por que não reviver essa aposta? Então resolvi criar uma nova coluna, apenas para tratar de obras fora do oriente, incluindo produções dos mais variados países (incluindo o Brasil, é claro). Pra começar, já vou lhes falar sobre a melhor obra de entretenimento que eu consumo hoje em dia: Steven Universe!
O que é?
Gems são uma raça alienígena de pedras preciosas que está em constante expansão, invadindo planetas, utilizando seus recursos na criação de novas Gems no processo, indo até o esgotamento de seus recursos e finalmente a sua destruição. A Terra foi um desses planetas conquistados, mas um grupo chamado de Crystal Gems se revoltou contra seus superiores e saiu vitorioso, defendendo o planeta e toda a sua beleza. Muito tempo depois em Beach City encontramos a base desse grupo, que hoje é formado apenas por quatro integrantes: Garnet, Amethyst, Pearl e Steven.
Steven é um híbrido de humano com Gem, sua pedra é herdada de sua mãe Rose Quartz, a antiga líder das Crystal Gems e que acabou precisando abandonar sua forma física para poder dar à luz ao seu filho. A história então mostra o dia-a-dia desse grupo, com Steven aprendendo e descobrindo os segredos das Gems em meio a lutas para defender a Terra ou apenas relaxando e se divertindo com os outros humanos da cidade.
As Gemas e o Universo
Steven Universe já merece um grande destaque por ser a primeira animação do Cartoon Network criada por uma mulher, Rebecca Sugar, que já trabalhava no canal como escritora e artista de storyboard do já famoso Hora de Aventura. O piloto da série foi transmitido digitalmente via Facebook no dia 20 de julho de 2013 e trás uma versão muito, mas muuuuuito diferente da versão oficial que foi lançada em novembro do mesmo ano. O visual e personalidade dos personagens mudaram em relação à versão final, e é muito engraçado ver como era a visão inicial da autora. O traço da animação é bem simples e ao mesmo tempo muito bonito, sendo que o design dos personagens foi mudando com o passar do tempo. É gritante a diferença ao comparar imagens do primeiro episódio com o último lançado.
Eu conheci a série através do Nostalgia Critic, um youtuber que faz crítica sobre filmes. Steven apareceu em um quadro onde ele e o irmão comentavam sobre cada episódio de séries animadas como Gravity Falls, Hora de Aventura e Avatar. Os dois eram puro elogios e resolvi conferir se realmente era bom, afinal de contas, o quadro só tinha desenhos que todos consideram acima da média. Esse também parecia ter uma história realmente interessante. No início minha expectativa ainda estava no clima dos cartoons de antigamente. E o começo da série dava base para essa ideia, uma vez que o mesmo é bem infantil e nada muito diferente do que já foi visto em outros lugares – o protagonista era meio chato e a trama não chegava a se aprofundar em nada. Ao mesmo tempo o elenco de apoio parecia ser bem carismático e acabei continuando por causa deles.
No início, cada episódio servia para nos ensinar as regras daquele universo (sem trocadilhos), quem são os personagens, quais poderes as Crystal Gems tinham, de onde elas vieram e seus objetivos. Nada muito maçante ou cansativo, afinal de contas cada episódio possui em média 11 minutos. Só que, logo no sexto episódio, Cat Fingers, eu comecei a perceber que aquilo que acompanhava não era apenas mais uma série infantil – definitivamente tinha algo de diferente ali. O episódio é bem perturbador e sombrio em alguns momentos, mostrando que certos atos possuem consequências.
Andando mais um pouco, o episódio 25 foi quando finalmente entendi a quantidade de camadas que o roteiro que Rebecca estava tentando colocar na sua narrativa. O episódio por si só é fantástico e expõe uma faceta das Crystal Gems que te deixa imediatamente intrigado, mostrando que existe algo muito maior em meio a tudo aquilo. A partir desse momento, a fase de conhecimento das regras básicas termina e começamos um desenvolvimento total dos personagens, fazendo com que você comece a perceber e entender nuances na personalidade de cada um que não conseguíamos ver antes. Vimos que todos são, no fundo, bem reais.
O interessante nisso tudo é que essas camadas bem definidas ainda fazem o desenho ser simples o bastante para as crianças mais novas gostarem, e ao mesmo tempo, complexo para aqueles que adoram vasculhar cada detalhe e criar as mais loucas teorias do que está por vir. Isso foi me fascinando cada vez mais pela série! Devorei a primeira temporada e metade da segunda em um fim de semana – revi todos os episódios no outro e até hoje me pego indo no youtube para ouvir as músicas que aparecem em vários momentos.
E dentro dessas camadas está todo um discurso e ensinamentos que nunca pensei que veria em um desenho. Ela toca em temas como intimidade, identidade sexual, luto, amor e família de uma maneira divertida e intensa, que não precisa do He-man no final para te explicar a lição de moral que foi tentada passar naquele episódio. Na Comic-Con de 2016 um fã perguntou sobre o que a inspirou a ter essa ideia de focar tanto no empoderamento das mulheres e em questões LGBT no enredo do desenho. A resposta foi incrível:
Essas ideias e pensamentos são realmente importantes para quem passa pelos mesmos problemas retratados no show. Fazem com que essa pessoa não se sinta mais sozinho e até mesmo comece a entender o que ela realmente está passando no momento.
Os personagens são fantásticos, ainda mais se você se focar nas quatro Crystal Gems. Eles mostram que a primeira impressão não é aquela que mais se aproxima da realidade. A Pérola parecia a personagem mais equilibrada e madura do grupo, mas aos poucos percebemos o quanto seu psicológico está quebrado pelo luto; temos a Ametista que era a amigona e a mais legal no início, mas aos poucos vemos que aquela confiança toda esconde muita coisa por trás; já a Garnet, que parecia mais um robô sem emoções, no fim se tornou – para mim – uma das melhores personagens já criadas! Enquanto isso, o próprio Steven que eu não suportava no inicio, hoje é um dos meus preferidos. A autora sabe quando abrir espaço para discussão sobre como ele se sente, ainda mais se colocarmos como referencial tudo oque o garoto passa por causa do vácuo que sua mãe deixou, como todos a sua volta o enxergam e por ter tanta responsabilidade enquanto ainda é uma criança.
Muito do desenvolvimento desses personagens acaba sendo feito através de músicas encaixadas durante os episódios, todas muito bem trabalhadas e lindas, ainda mais se você souber o contexto que cada uma possui. Existe uma quantidade enorme de vídeos de covers – eu pelo menos não me canso de ouvi-las e pagaria fácil por um CD oficial do desenho. No painel de Steven Universe na SDCC desse ano, toda a produção fez uma apresentação musical de 30 minutos como se fosse um grande show. Algumas músicas poderiam ser indicadas aqui, mas muitas possuem um contexto para serem cantadas. Ou seja: você precisa ver durante o episódio. Qualquer música dessa poderia muito bem ser um spoiler e estragar a experiência de vocês. (Não vejam a versão animada da abertura estendida antes do final da primeira temporada!)
We are the Crystal Gems!
Este foi o texto mais difícil que já escrevi aqui. Tentar colocar em palavras a minha paixão por Steven Universe é quase impossível e estou parado nesse review faz alguns meses. É uma série que me faz rir, chorar e pensar. É tocante, é lindo e ao mesmo tempo… simples. Você pode sentir a paixão da autora e pode se apaixonar pelos personagens, se sentindo órfão a cada hiato que a série acaba tendo durante as temporadas. Eu me emociono e fico arrepiado apenas com o vídeo da abertura estendida – para sentir o nível o nível que estou no momento.
Então é isso. Steven Universe está atualmente na sua terceira temporada e passa no Cartoon Network em diversos horários, mas recomendo tentar encontrar a série para assistir desde o primeiro episódio. A série está no catálogo do Netflix brasileiro. Não deixe a oportunidade passar.