Um shounen cujo campo de batalha é a pista de dança!
Precisamos falar sobre duas coisas muito importantes para aqueles que leem mangás: hiatos e gêneros.
Começando pelo primeiro, hoje não é difícil encontrar mangás famosos que estão ou ficam parados por anos. Seja Hunter x Hunter, Nana, Bastard ou até mesmo X-1999. Não são poucos, e que obviamente nos deixam irritados por não prosseguirem e aliviarem a nossa dor por todo aquele tempo sem nada. Os motivos dos hiatos são vários, desde preguiça até doenças crônicas. Infelizmente temos que aceitar e aguardar por um retorno, por mais improvável que as vezes pareça.
O segundo tema que havia dito são os gêneros. Sabemos que os japoneses fazem mangá de tudo, desde batalhas de cozinheiro até uma barata moe. Tudo que você pensar, com certeza existirá. Mas enfim, não é esse o ponto. A questão é que acabamos deixando de conferir algumas séries por puro pré-conceito sobre o tema, de o achar chato, lento ou o que seja. Não julgo ninguém por isso, mas nesta resenha vamos juntar esses dois tópicos em um só resultado. Um mangá em hiato, sem previsão de retorno, e que apresenta um tema nada comum, a dança de salão. Estamos falando de Ballroom e Youkoso, uma série que provavelmente muitos deixariam passar se não soubessem o quanto o conteúdo já lançado vale a pena…
A HISTÓRIA
Fujita Tatara é um estudante comum da escola secundária que tem vivido seus dias ociosamente. Um dia, um grupo de delinquentes arranjam uma briga com ele, mas o mesmo acaba sendo salvo por um homem misterioso. Depois de tal acontecimento, o homem surpreendentemente o arrasta para uma aula de dança de salão e após ser inspirado por uma dançarina que frequenta a mesma escola, Hanaoka Shizuku, e seu parceiro, um dançarino genial, Hyoudou Kiyoharu, Tatara começa a dedicar sua juventude no esporte.
CONSIDERAÇÕES TÉCNICAS
Ballroom e Youkoso é um mangá da autora Takeuchi Tomo que começou a ser publicado na revista Bessatsu Shounen Magazine, a mesma de Noragami, da editora Kodansha, em 2011. A obra tem oito volumes encadernados até o momento, porém, devido a problemas de saúde da autora o mangá entrou em hiatus no começo do ano. Ballroom e Youkoso foi nomeado no 6º Manga Taisho Awards em 2013 e no 8º Manga Taisho Awards em 2015, no qual teve como colocação o terceiro e o sexto lugar, respectivamente – um ótimo destaque para a estreia de uma mangaká. A série foi licenciada em inglês pela Kodansha Comics nos Estados Unidos e o primeiro volume será lançado em 27 de setembro de 2016.
Comecei a ler a série graças a uma recomendação de um site gringo, mas sem grandes expectativas e esperando pouco da arte da autora, nem sequer havia lido a sinopse – péssimo hábito, o tipo que me leva a ter grandes aventuras. Surpresa a minha ao ver que se tratava de um garoto que encontrava na dança de salão sua verdadeira paixão. Sim, dança de salão, aquela em que criamos o estereótipo absurdo de que é um passatempo para idosos já aposentados, aquela que garotos da minha idade, da sua, não dançariam.
Oito volumes foram o suficiente para me cativar. Engraçado que no mesmo dia em que li Ballroom, comecei uma outra leitura também, um seinen com uma premissa interessante, mas por mais que houvessem n pontos atrativos, era como se a leitura não fluísse. Entenda, não acredito que essa seja a melhor obra dos últimos tempos ou nada do gênero, ela nem ao menos está perto de entrar para minha lista geral (e imaginária) de favoritos, mas os capítulos não andam, eles voam. O mangá tem essa “coisa” de fazer com que a leitura seja leve, descontraída e ainda deixar aquele gosto de “quero mais” na boca.
Uma característica que se destaca e que, diga-se de passagem, é a minha favorita, é o modo como é trabalhado a relação entre os personagens. A autora os mostra treinando, se divertindo e compartilhando suas preocupações juntos, porém na hora da competição eles são rivais e querem ser tratados como tais. Hanaoka, personagem em que (claramente) o protagonista tem um interesse, é a que diz com todas as palavras que quer que Tatara melhore para poderem competir um contra o outro; é uma relação estranha, mas que funciona muito bem no mangá, a autora sabe separar o lado atlético e o lado pessoal de cada um.
Ainda falando da questão dos personagens, outro ponto a dar ênfase é que Tatara não precisa se apoiar o tempo todo em Hanaoka, Hyoudou e no seu professor Sengoku. Ele toma várias decisões no decorrer da trama em que são para o bem da dança, mesmo que isso signifique criar uma certa distância dos três citados anteriormente. O personagem quer evoluir e não quer fazer isso de modo que seja inteiramente dependente de seus amigos e, mesmo fazendo tais escolhas, a obra não se torna menos atrativa. Se torna mais real.
O único ponto que deixa a desejar é o fato das cenas das danças não serem tão empolgantes. Não estou desmerecendo o traço da autora – até porque fiquei muito surpresa ao comparar a capa dos volumes com o desenho puro do mangá -, mas quando lembramos que se trata de um mangá de esportes, algo fica faltando. Não é como ler Kuroko no Basket ou Haikyuu!!, onde a ansiedade de saber quem vai vencer é maior do que tudo, aqui os momentos competitivos se resumem em mostrar cenas “impactantes” para o leitor – ou o que deveriam ser. Nesse sentido, o mangá é rude na hora de mostrar a beleza do esporte. Uma cena bonita na apresentação, uma pose clímax no meio e o que deveria ser o “wow” do final; Takeuchi Tomo mostra danças cortadas, nunca mostra o “passo a passo”. Graças a isso, só é possível julgar o que é bom ou ruim através dos pensamentos dos personagens que, por sorte, não ficam restritos apenas ao protagonista.
Admito que torci um pouco o nariz quando me deparei com as ilustrações das capas. Esperava uma arte inferior, porém, felizmente, estava errada. Apesar de ter citado que o ponto desfavorável da série é o modo como as danças são reproduzidas, necessito dar os devidos créditos a Tomo por desenhar tão bem as poses de impacto das danças além de fazer belíssimos vestidos e de sempre realçar a beleza feminina, ainda mais quando se trata de Hanaoka.
A arte tem seu brilho, mas o que realmente atrai em Ballroom e Youkoso é a narrativa. Mesmo que a história se apoie no típico protagonista de shounen que a primeiro momento não tem talento nenhum, a leitura acaba sendo estimulante devido a todo o conhecimento que a autora passa sobre dança de salão. Apesar de contar com inúmeros termos técnicos e movimentos que talvez nunca compreenda de fato, o mangá não é maçante, pelo contrário, é interessante descobrir como todos os detalhes nesse esporte fazem a diferença. A essência da obra é simples, mas é extremamente fluída. É deliciosa.
COMENTÁRIOS GERAIS
Acho engraçado como o mangá consegue conciliar tão bem sua demografia com sua temática. Ballroom apresenta várias características de shounen de porrada, mas na hora de ver o protagonista batalhando, ele não usa nenhum super poder, chutes, socos ou movimentos agressivos. Ele só usa a dança. Estou acostumada a ler de tudo – leio mais shounen do que parece, aliás, leio tantas coisas que é melhor deixar em off mesmo -, mas ele se tornou ainda mais convidativo para mim, como público feminino, por juntar beleza e esportes em uma obra só.
O que é mais chocante na série é que se trata do primeiro mangá da autora. Com certeza há alguns erros, porém quando levo esse ponto em conta, é como se esses defeitos simplesmente diminuíssem. É triste a autora estar enfrentando problemas de saúde e o que escreverei agora pode soar como puro egoísmo, mas realmente quero poder ver o que ela ainda tem a oferecer, quero ler e acompanhar não só Ballroom e Youkoso, e sim todas as obras que ela ainda desenhará.